A escravidão de índios na América e no Brasil  é algo cheio de estereótipos, digo isso pois pouco do que se fala sobre o tema carece de um "pente fino" da parte dos "estudiosos" acadêmicos. No Brasil a escravidão de índios deve ser avaliada fora de arquétipos ideológicos que transcendem a singularidade de nossa história como categorias supra ou a históricas, deixamos isso aos mais emocionados. O que eu quero aqui que o leitor venha a compreender é que nenhuma forma de traficar pessoas existiu sem a mediação de outrem. No caso do Brasil isso foi fundamental, as falaremos disso mais adiante. O que se sabe a primeiro momento é que diretrizes normativas foram tomadas pela coroa lusa no que tange ao escravismo nativo. 

No ano de 1570, por exemplo,  foi edificado a (Lei sobre a Liberdade dos Gentios) promulgada por Sebastião I de Portugal em 20 de março de 1570 e tratava da escravidão dos nativos no Brasil

O então governador geral do sul do Brasil Antônio Salema e Luís de Brito e Almeida do norte juntamente com o bispo D. Pedro Leitão mais o Ouvidor Geral e padres da Companhia de Jesus se reuniram na Bahia em 1574 aonde foi estabelecido um acordo que regulamentava a lei, sendo os principais pontos,  dentre eles; 

1) seria aplicável a escravidão do índio aprisionado em guerra manifestamente legítima; 

2) seria cativo o indígena maior de 21 anos que fosse escravo de outros índios e fizesse a opção de se tornar escravo de cristão; 

3) não seria capturado como escravo índio aldeado exceto os fugitivos; 

4) toda captura só poderia ser feita com a autorização dos Governadores ou Capitães 

5) os índios capturados deveriam dar entrada e registrados na alfândega da localidade; 

6) os colonos só poderiam ter a propriedade sobre o índio de um resgate após o respectivo registro; 

7) os índios apreendidos em guerra não justa, seriam livres; 

8) os infratores estavam sujeitos às penas de açoites, multa, e degredo. 

Ainda existiu no Brasil a Escravidão voluntária, no ano de 1566, foi criada a lei que regulamentou pela primeira vez a escravidão voluntária dos índios. Segundo essa lei, baixada por uma junta convocada por Mem de Sá, "os índios só poderiam vender-se a si mesmos em caso de extrema necessidade, sendo que todos os casos deveriam ser obrigatoriamente submetidos à autoridade para exame". 


Contudo, o mais interessante nesse questão é como a intermediação dos índios no apresamento dos nativos não alinhados foi importante. A escravidão entre índios Entre as tribos indígenas que não eram canibais mas praticavam a escravatura, os papanases não tinham costume de matar os que os ofendiam, mas faziam deles escravos. Os guaianás não comiam carne humana e faziam os prisioneiros escravos. Os tapuias também faziam os cativos escravos. Relatou Gabriel Soares de Sousa no Tratado descritivo do Brasil em 1587:


[…] não são os guaianases maliciosos, nem refalsados, antes simples e bem-acondicionados, e facílimos de crer em qualquer coisa. É gente de pouco trabalho, muito molar, não usam entre si lavoura, vivem de caça que matam e peixe que tomam nos rios, e das frutas silvestres que o mato dá; são grandes flecheiros e inimigos de carne humana. Não matam aos que cativam, mas aceitam-nos por seus escravos; se encontram com gente branca, não fazem nenhum dano, antes boa companhia […].


Os nativos  cadiueus viviam do tributo e do saque que faziam às tribos suas vizinhas. A sua sociedade era estratificada e a sua base era constituída por escravos, prisioneiros dos conflitos com as tribos vizinhas. Os terenas, apesar de pagarem tributos aos cadiueus e serem seus subordinados, também tinham a sua sociedade estratificada e a sua base também era constituída por escravos. 

Ainda mais explicativo o desempenho desses índios escravistas é o fato de que, antes da chegada do europeu, os Guaikuru já impunham sua suserania sobre povos agrícolas, forçando-os a suprir-lhes de alimentos e de servos, explicava muito bem Darcy Ribeiro "em o povo brasileiro." 

Os Testemunhos datados dos primeiros anos do século XVI nos falam deles como povos sagazes que dominavam os Guaná, impondo-lhes relações que ele compara com o senhorio dos tártaros sobre seus vassalos. tornaram ainda mais perigosos quando se aliaram aos Payaguá-Guaikuru, índios de corso que lutavam com seus remos transformados em lanças de duas pontas, que dizimaram várias monções paulistas que desciam de Vila Bela, no alto Mato Grosso, carregadas de ouro. Essa  propensão dos Guaikuru, armada com o poderio da cavalaria, desabrochou, permitindo sua ascensão da tribalidade indiferenciada às chefaturas pastoris, capacitadas a impor cativeiro aos servos que incorporavam a seus cacicados e suserania a numerosas tribos agrícolas.

Desse modo, para os  os iberos hispânicos, na disputa desses  vastíssimos sertões ricos em ouro, nada podia ser melhor que alcançar a aliança dos Guaikuru para lançá-los contra seu adversários locais. Foi assim que   ambos, a cada tempo, o conseguiram. Mais longamente os espanhóis, duplamente excitados para essa aliança, porque, no seu caso, à competição se somava obviamente a cobiça das terras explica Darcy Ribeiro. 

Foi daí  que os Guaikuru aprenderam rapidamente a praticar o escambo, preando escravos negros, índios e também senhores e senhoras europeus e muitíssimos mamelucos, tantos quantos pudessem, para vender em Assunção e fazer renda. Porém,  no âmbito das sociedades guaicurus, base da sua estratificação era formada por escravos "estrangeiros" da etnia guaná e outros escravos capturados ou comprados. 

Não obstante,  esses  escravos eram submetidos a um regime de serventia perpétua e hereditária, embora pudessem obter a liberdade por meio de um casamento com um guaicuru, mas era apenas dessa forma.  Dentre os escravos estavam nativos capturados no leste do Chaco e florestas do Paraguai, além de alguns paraguaios mestiços. A maior fonte de escravos nessa sociedade eram índios ra etnia chamacoco.

Por outro lado, na obra "os negros da terra" do historiador john Manuel Monteiro, é dito que no sudeste do Brasil durante o século XVII os principais intermediários neste incipiente tráfico de escravos índios encontravam-se na região dos Patos, onde o chamado "porto dos Patos" servia de entreposto no circuito dos cativos guarani. 

De acordo com os jesuítas que visitaram a região nos últimos anos do século XVI , as aldeias do litoral se especializaram no intercâmbio luso-guarani, ao passo que as principais concentrações da população indígena permaneciam no interior, a vinte ou trinta légua de distãncia. Poucos anos mais tarde, com o tráfico Já amadurecido, outro padre esboçou os métodos de resgate: 

"há alí algumas aldeias de gentios amigos dos portugueses aos quais estes levam resgates de ferramentas e vestidos em cuja troca eles lhes dão seus próprios parentes e amigos". 

No porto dos Patos, estes cativos eram acorrenta-dos e postos nas embarcações rumo às capitanias de São Vicente e Rio de Janeiro. Alguns chefes indígenas, sem dúvida, fugindo das práticas tradicionais, tiraram vantagem da sua posição de intermediários, acumulando poder e riquezas. 

Tal seria o caso de um certo pajé "Tubarão", que, com o apoio de seus três ou quatro irmãos, todos supostamente xamãs, tornou-se o principal fornecedor de cativos guarani na região dos Patos durante a primeira década do século XVII. Mais uma vez, coube aos jesuítas descrever, com ricos detalhes, o sistema de abastecimento de escravos indígenas. Chegando à laguna dos Patos com ferramentas, panos e outros artigos de escambo, os comerciantes portugueses dirigiam-se a Tubarão e seus irmãos. Estes, por sua vez, entregariam cativos araxá  tomados pelos Carijó em guerras intestinas em troca das mercadorias européias. Além destes cativos de guerra, eram igualmente apresentadas "pessoas soltas", tais como órfãos e viúvas, provenientes das aldeias carijó do interior. 

Segundo esse historiador a demografia do tráfico fora intensa, no fim da década de 1620, quando milhares de cativos guarani foram conduzidos para São Paulo, a população local acusava um aumento notável. Por alguns fatores, mas o maior deles foi devido ao crescimento da economia do planalto, a vila paulistana tornara-se o centro receptor da maioria dos cativos; ao mesmo tempo, o caminho terrestre de Guairá, de forma geral, tornou-se preferido à rota marítima dos Patos.

Por sua vez,  o  litoral sul continuou a receber expedições cada vez mais vultosas até a década de 1630. Escrevendo em 1637, é relatado que  padre do Rio de Janeiro afirmou que, nos dez anos anteriores, entre 70 mil e 80 mil cativos indígenas  haviam sido trazidos sem captura direta  pelos paulistas da região dos Patos, embora poucos deles tivessem chegado com vida às capitanias portuguesas, tudo isso por intermédio dos nativos escravistas.

Da região do Rio da Prata, continuou ele, apenas mil dos  7 mil escravizados tinham sobrevivido. Finalmente, demonstrando as proporções elevadas que o tráfico havia assumido, o jesuíta alegava que em uma só expedição 9 mil índios haviam sido capturados e entregues, acorrentados, as capitanias lusas, enfim, se não houvesse a mediação indígena no processo de captura dos nativos e venda aos lusos, a escravidão nativa poderia acarretar em dificuldades ainda maiores aos portugueses. Os índios por outro lado tinham interesse nesse esquema, já que ele proporcionou lucro, poder aos mesmos. 


Referências:

Negros da terra; John Manuel Monteiro.

Tratado descritivo do Brasil; Gabriel Soares de Souza.

O povo brasileiro; Darcy Ribeiro.