João Poinsot, o teólogo da segunda escolástica seiscentista,  grande propulsor das atualizações da Gnosiologia Tomasica, trago aqui um sucinto artigo sobre seu escrito mais importante, tratado dos signos.  Posteriormente a Súmulas da obra, João de São Tomás passa a explicar em que consistem as relações (secundum esse / secundum díci), que utiliza para analisar os signos, conceitos estes que se filiam diretamente na doutrina aristotélica-tomista sobre o tema.  Em objeção aos  nominalistas e os que defendem que só existem relações secundum dici, isto é, relações que são formas extrínsecas aplicadas às coisas como numa comparação, João de São Tomás  sustentou que já em Aristóteles ficou estabelecido  a existência de relações secundum esse,  relações cujo base fundamental é ser para outra coisa, não à maneira de uma denominação extrínseca, porem  enquanto traço essencial do seu próprio modo de existir. 


Entretanto,  as relações secundum dici são aquelas onde subsiste uma coisa de relativamente independente,  absoluto entre os relacionados, dessa maneira  a totalidade do seu ser não é ser para outro, ao passo que nas relações (secundum esse) todo o seu ser ao contrario  consiste em ser para outro, como sucede, por exemplo, no caso da semelhança ou da paternidade, pois toda a essência de tais relações se orienta para o termo, de forma que, caso suma  o termo, a própria relação não mais subsiste, e quando existe, possui caráter  ontológico autônoma e próprio,  independentemente de ser ou não objetivamente conhecido. 

Pois então, para João de São Tomás, a relação é uma categoria que se distingue das restantes formas. Em primeiro modo, está mais dependente e requer com maior necessidade o fundamento, pois  é movimento de um sujeito em direção a um termo, enquanto as outras categorias retiram a sua “entitatividade” e existência do sujeito cognoscente. A relação secundum dici é uma forma assimilada ao sujeito que o conota com algo extrínseco, ao passo que na ontológica ou segundo o ser, a essência determina-se por ser relação.  Contudo, conclui o dominicano  que o signo é uma relação secundum-esse porque a sua essência é orientar-se e ser relação para outra coisa, aquilo que representa, permitindo-lhe  dar conta da existência de todos os tipos de signos, sem com isso abdicar de uma posição realista. Daí que, se possa afirmar que a relação do signo natural ao objeto é necessariamente real, e não de razão, porque é fundada em algo real, proporcionada a conexão com coisa representada, dai que se explica como por exemplo, que a pegada do lobo representa antes o lobo que a presa e embora depois ao representar à potência, objectificando-se, o signo estabeleça com ela uma relação de razão.  

A mesma relação que atinge diretamente o objeto atinge indiretamente a potência enquanto o ser manifestável, essa  potência está incluído no próprio objeto. A relação do objeto com a potência é de razão não existe antes da operação do intelecto, relação esta que, ocorrendo necessariamente no signo, não é contudo a relação que lhe é própria porque este partilha  com todos os cognoscíveis que não são signos. Contudo, a relação do signo à potência é indiretamente real, porque embora este não lhe diga respeito (diretamente) por uma relação real, ser manifestável à potência é, no objeto, algo de real que subsiste antes da operação do intelecto. E assim, como o objeto não é respeitado como sendo alguma coisa de absolutamente em si, mas como manifestável à potência, necessariamente a própria potência é tocada obliquamente por aquela relação, a qual atinge o objeto não por subsistir nele precisamente como é em si, mas enquanto é manifestável à potência, e assim de alguma maneira a relação do signo atinge a potência na razão de alguma coisa manifestável a outro.  Ser manifestável e objectificado é alguma coisa de real, e é aquilo de que depende a potência e pelo qual é especificada. Antes, é porque um objeto é assim real que não depende da potência por uma relação real. por onde, como o signo, sob tal formalidade do proprio signo, não condiz respeito à potência diretamente ja que isto é a formalidade do objeto, mas diz respeito à coisa significável ou manifestável à  potência, dessa forma a potência enquanto indiretamente inclusa naquele objeto manifestável atingi-se por uma relação de signo real,  relação essa que nada mais é que o fato de o objeto lhe ser realmente manifestável, embora a própria manifestação em ato que é feita enquanto este assume a forma de um objeto, deva necessariamente revestir-se da forma de uma relação de razão. 


Ao ir mais além no processo gnosiológico, cabe a espécie impressa, imagem das qualidades sensíveis do objeto que se faz  unindo-se à potência para produzir a cognição a qual, defenderá, não é signo formal. essa negação da qualidade de signo formal à espécie impressa é defendida com base no seguinte argumento;  (o signo é alguma coisa conhecida, que toma, através de si, uma outra coisa conhecida.) definido nestes termos, resta apenas provar que a espécie impressa não se enquadra nesta definição, pois é apenas um princípio pelo qual a potência conhece, não é nem objeto, nem termo da cognição. Dessa forma, a espécie impressa não pode representar ou manifestar à potência, isso será feito pela espécie expressa, porque representar supõe a cognição, e a espécie impressa constitui um momento anterior, antecedente, predecessor, é princípio da cognição, concorrendo com outros para a produzir. A questão de saber se o ato de conhecer; ou seja, a própria operação de inteleccionar, que se distingue do objeto conhecido e das espécies impressas e expressas, pertence à categoria dos signos formais ou nao. Nos diz o dominicano que nenhum ato de intelecção é signo formal, pois o signo deve ser representativo de outra coisa distinta de si, enquanto o ato de inteleccionar é uma operação que tende para o objeto, entretanto nada representa. Essas imagens/ícones são signos formais, porque não conduzem a potência nem lhe representam o objeto a partir de um outra cognição de si que pré-existe, entretanto, conduzem imediatamente para os próprios objetos representados, pois estas potências sensitivas não podem refletir sobre elas próprias e sobre as formas expressas que detém. Dessa forma, sem estas espécies expressas sendo conhecidas pelas potências sensitivas, as coisas são tomadas imediatamente representadas às potências; dai que esta representação é feita formalmente e não instrumentalmente, nem de alguma cognição anterior da imagem ou ícone como diz João de São Tomás. O primeiro objeto dos atos de intelecção humano são as coisas materiais extrínsecas,  isso que é primeiramente conhecido pelo sujeito, enquanto o próprio ato para conhecer um sensível extrínseco é apreendido de forma secundaria, sendo que através do ato é conhecido o próprio intelecto do qual o próprio ato de inteleccionar é a sua perfeição. 




Em termos ontológicos, a opção de João de São Tomás é realista: os entes existem e oferecem-se ao homem para que possam ser pensados — é porque existem realmente que podem ser inteleccionados, fundando-se aqui a importância de conceber relações reais e independentes do cognoscente no signo natural, pois um nominalista tudo reduziria a relações de razão. Como o homem possui uma alma estrita e essencialmente unida a uma realidade material, o seu corpo, só pode conhecer a essência das coisas recebendo-a dos sensíveis e depurando-a, através de um processo de abstração, dos aspectos materiais do objeto. O instrumento para conhecer a natureza das coisas sensíveis são as espécies inteligíveis, que representam para os sentidos o que há de formal nos objetos. A espécie é o objeto, só que despojado, desvinculado da sua materialidade, através das espécies impressas e expressas, e por um processo de progressiva abstração, que o homem acede ao mundo material. pois bem, fundamental que se perceba que todo o conhecimento se inicia com a espécie impressa, que é proporcionada ou imprimida nos sentidos externos. O sujeito recebe então nos sentidos as espécies impressas, que representam o objeto despido das suas condições materiais, entretanto  ainda claramente individualizado, ou singularizado. Estas espécies serão trabalhadas pelo intelecto agente ou ativo, uma das faculdades da alma, que as depura transformando-as em espécies expressas, que produz o conceito, que é signo formal, através do qual o homem conhece, sua espécie inteligível, sua similitude. A espécie expressa é depois trabalhada pelo intelecto passivo, produzindo-se, da sua conjunção ou apropriação, o conhecimento. A espécie impressa, que se oferece aos sentidos externos, que, ao ser trabalhada pelo intelecto agente, se transforma em espécie expressa ou conceito, por sua vez, já apto a ser potencialmente recebido  pelo sentido interno e trabalhado pelo entendimento. João de São Tomás entretanto, demonstra  que tal conceito é signo formal, interior ao cognoscente, porque é um meio que representa o objeto à potência cognitiva. Como apenas e exclusivamente por intermédio da espécie expressa o mundo é proporcionado ao sujeito, sem esta ele seria como "uma monada sem janelas, um organismo funcionando em absoluta clausura e incapaz de constituir, rudimentar que fosse, qualquer imagem do mundo." Podemos dizer que João de São Tomás identifica toda a vida mental com processos semióticos, ou, estendendo a máxima Escolástica, "nada está no intelecto que não tenha estado primeiro nos sentidos e não tenha sido submetido a estruturas semióticas mediadoras que possibilitam a consciência e a modelização do mundo." 

A existência de um mundo objetivo para João de São Tomás, como bom tomista, o mundo dos entes reais não oferece qualquer problematicidade ontológica; existe, simplesmente, por virtude de um ato criador de Deus; no entanto o homem só pode acender a esses objetos através de uma complexa abstração que se reduz, no ponto em que o mundo penetra a espirito. O mundo objetivo, aquele onde (pululam ens reale), só é acessível, pelo menos para o homem, como ens rationis, isto é, objetivamente, através de uma percepção mediada por signos. Como tal mundo só é dado ao homem objetivamente através da cognição, isso de certa forma e impreterivelmente mediada por signos formais-instrumentais, naturais, convencionais e consuetudinários. O Signo é definido pelo dominicano como "aquilo que representa à potência cognoscitiva alguma coisa diferente de si", e esta fórmula encerra uma crítica explícita à definição anterior de signo que invocava uma forma (species) presente aos sentidos que faz surgir alguma outra coisa na cognição apenas pode ser aplicada ao signo instrumental, mas nunca ao formal, porque esse é interior ao cognoscente e portanto nada acrescenta aos sentidos. Desse modo, o conhecimento, por sua vez, pode ter quatro causas que atuam conjuntamente na produção de uma apercepção;  Pelo Eficiente, tratam-se das potências que dão origem ao conhecimento, como o intelecto, olhos ou o tato. Objetiva – trata-se do próprio objeto que dá origem a determinado ato de conhecer. 

O Formal que é o próprio conhecimento pelo qual o intelecto se torna cognoscente, e que, enquanto tal, não tem de ser objeto de uma apercepção consciente, como sucede com a audição de um som ou a visão de uma pedra. O Instrumental que trata-se do meio através do qual o objeto a conhecer é representado ao intelecto, como quando através de um ícone se reconhece o objeto para o qual este remete, ou através da pegada de um animal o cognoscente é remetido para a criatura que a produziu. Também os objetos que se apresentam à cognição podem ser de três maneiras: Exclusivamente motivo, isto é,  o objeto que leva o intelecto a formar uma ideia distinta de si mesmo, assim como uma placa escrito pare na estrada remete imediatamente quem o apreende para a proibição de passar. por seu turno, o Exclusivamente terminativo, trata-se da coisa conhecida pela noção produzida por um outro objeto, como, por exemplo, a proibição de passar que é tornada conhecida pelo objeto placa com sinal  pare, ou por um semáforo com sinal vermelho.

Por sua vez, o Terminativo e motivo simultaneamente é o objeto que estimula a potência para formar a cognição dele próprio, assim como um animal que se mostra a si mesmo é motivo, porque estimula o intelecto ou um sentido particular para conhecer o animal, e também terminativo porque no próprio animal ou num dos seus acidentes cessa essa cognição. Essas quatro causas do conhecimento, que para ele concorrem, têm como PRAXIS fazer conhecer.  Desta forma, pode-se fazer conhecer eficientemente, objetivamente, formalmente e instrumentalmente. Agora representar é feito por tudo aquilo que traz algo ao intelecto, e assim só funciona objectivamente, formalmente e instrumentalmente. No domínio da significação, aquele onde precisamente surgem os diversos tipos de signos, só se pode operar formalmente e instrumentalmente, porque significar é tornar alguma coisa distinta de si presente ao intelecto, e desta forma o ato de significar elimina tanto a representação, pois  aí uma coisa que "significa-se" a si própria, como as condições que concorrem eficientemente para o conhecimento – porque estas operam em toda a cognição e não se destinam exclusivamente à pre-sentificação de outra coisa distinta de si. Na significação toda a atividade de conhecimento que abstrai dos modos eficiente e objetivo, encontram-se os diversos tipos de signos, tal como João de São Tomás os classifica. Esse processo é levado a cabo adotando duas perspectivas distintas, que dão origem a qualidades diversas de signos. Da perspectiva do sujeito cognoscente, enquanto o signo é encarado na sua relação ao intelecto que conhece, divide-se o signo em formal e instrumental. O signo formal é constituído pela apercepção, que é interior ao cognoscente, não é consciente e representa algo a partir de si. Tem a capacidade de tornar presentes objetos diferentes de si sem primeiro ter ele próprio de ser objetificado. O signo instrumental, por seu turno, é o objeto ou coisa que, exterior ao cognoscente, depois de conscientemente conhecido lhe representa algo distinto de si próprio. A segunda perspectiva adotada por João de São Tomás para classificar os signos é o ponto de vista em que estes se relacionam ao signado, ou seja, ao referente ou à própria coisa em si por eles significada. 

Nesta perspectiva, dividem-se os signos em naturais, convencionais e consuetudinários. O signo natural pela sua própria natureza significa alguma coisa distinta de si, e isto independentemente de qualquer imposição humana, razão pela qual significa o mesmo junto de todos os homens. Tal sucede, por exemplo, "com o fumo, que significa o fogo que lhe dá origem; ou com o relâmpago, que significa o trovão que se lhe segue". O signo convencional significa por imposição/convenção humana, e assim não representa o mesmo junto de todos os homens, mas só significa para os que estão cientes da convenção; caso da palavra "cavalo" que significa qualquer equino porque, em português, assim foi arbitrariamente estabelecido. Já signo consuetudinário, é o que representa em virtude de um costume muitas vezes repetido, mas que não foi objeto de uma imposição pública explícita; nos diz o dominicano como exemplo, "assim como arrotar à mesa de um árabe no final de uma refeição é sinal de que o comensal está saciado e manifesta desta forma, que é polida e signo de educação esmerada, o seu agrado ao anfitrião." 

Sobre a divisão dos signos, da perspectiva do cognoscente, em formais e instrumentais, a questão que se coloca é saber se os signos formais são verdadeiramente signos, ou  de que modo se revestem estes das condições necessárias ao signo, nomeadamente, ao conduzir a potência para um referente e ser mais imperfeito que a coisa significada. neste ponto, nas distinções, explicar de que forma o signo formal, que é interior ao cognoscente e a maioria das vezes não é sequer apreendido conscientemente, é meio condutor para o signado: e assim o signo formal para isto conduz, para que o conceito e apercepção sejam postos na potência e esta se torne cognoscente; mas o próprio conceito não é meio para conhecer. Pelo contrário, alguma coisa é dita ser conhecida igualmente imediatamente quando é conhecida em si e quando é conhecida mediante um conceito ou apercepção; com efeito o conceito não faz a cognição mediata.  Nos diz o "Doutor Profundo" que o (medium in quo da cognição), ou seja, o objeto no qual outra coisa é vista, pode ser tanto uma coisa material exterior à potência, como algo formal e intrínseco à potência, como o caso da espécie expressa ou palavra mental. Dessa Maneira, de acordo com Doutor Angelico,   "a palavra mental ou conceito é dado como distinto do ato de cognição embora o que apreende possa disso não ter consciência", essa é a máxima levada a cabo por Poinsot.

Por outro lado, o primeiro meio no qual o material e extrínseco faz a cognição mediata, isto é, a partir de outra coisa conhecida, ou cognição deduzida, e pertence ao signo instrumental; entretanto, o segundo meio no qual intrínseco à potência não constitui uma cognição mediata porque não duplica o objeto conhecido nem a cognição. entretanto, é verídica afirmação que  e propriamente um meio representando um objeto, não como meio extrínseco, mas como intrínseco e formando a potência. No mais,  um objeto é tornado presente ou representado à potência não a partir dele próprio imediatamente, mas mediante o conceito ou espécie expressa. Por isso conceito é meio ao representar, meio pelo qual o objeto é tornado representado e conjunto com a potência. Dai que o signo formal deverá, verdadeiramente, ser signo, embora difira do instrumental no modo de representar e significar. É evidente, de resto, que os signos formais diferem dos instrumentais pois não se mostram à maneira de um objeto extrínseco no qual outra coisa é conhecida, mas como conduzem à cognição de outro, e recorde-se que o conceito é distinto do ato de conhecer, pois revestem-se todavia da (razão de signo), ainda que só formalmente, pois o signo formal não existe nem estimula a cognição fora da potência. Sendo o movimento de apreensão do signado simultâneo com a apreensão do conceito, o sujeito não terá consciência de que se encontra perante duas operações, por esta razão que o signo formal não representa um objeto primeiro conhecido que conduz a outro, no entanto, essas duas cognições distintas, do ponto de vista de quem apreende, fundem-se numa só, é o que Poinsot quer dizer quando refere que o conhecimento proporcionado pelo signo formal não acrescenta numericamente à cognição, nos diz o Doutor Profundo; 


"E assim, quanto ao modo de conhecer, com maior propriedade se encontra a razão do signo no signo externo e instrumental, enquanto o ato de conduzir de uma coisa para outra é mais manifestamente exercido quando duas cognições existem, uma do signo, outra do signado, que quando existe apenas uma única cognição, caso que sucede no signo formal. Onde sucede que para salvar a propriedade do signo basta que este seja pré-conhecido, o que o signo formal alcança não porque seja conhecido como objeto, mas como razão e forma pela qual o objeto é tornado conhecido no interior da potência, e assim é pré-conhecido formalmente, não denominativamente e como coisa conhecida". 


No que tange a inteligibilidade, o conceito, por exemplo, de homem, representa outra coisa diferente de si, ou seja os homens; e é mais conhecido, não objetiva mas formalmente; uma vez que torna conhecido o homem, que sem o conceito é desconhecido e não presente ao intelecto; e pela mesma razão é primeiro conhecido formalmente, isto é, funciona como razão pela qual o objeto é tornado conhecido. Mas isto que é razão para que alguma coisa seja de tal tipo, enquanto razão e forma é anterior a essa coisa, do mesmo modo que a forma é anterior ao efeito formal. Logo, se o conceito é razão para que uma coisa seja conhecida, é anterior pela prioridade da forma ao sujeito e razão denominante para a coisa denominada. Semelhantemente, um conceito não é igual ao próprio objeto representado, mas inferior e mais imperfeito do que aquele. Contudo, não importa quão perfeito, um conceito em nós não atinge a identidade com o representado, porque nunca atinge isto, que se represente a si, mas antes sempre representa outro diferente de si, porque sempre funciona como substituinte a respeito do objeto; logo, sempre retém a distinção entre a coisa significada e o próprio significante.

Outro ponto interessante a gnosiologia do Profundo, urge a questão de saber se as apercepções de uma coisa presente (intuitiva) e ausente (abstrativa) são distintas ou nao. Em primeiro lugar, a apercepção intuitiva exige a presença real e física da coisa apercebida, não apenas a intencional, devendo o seu objeto encontrar-se (extra videntem). Assim, a forma mais comum e adequada de distinguir entre a apercepção intuitiva e abstrativa é, precisamente, a que considera o termo da cognição como ausente ou presente. O dominicano conclui depois que intuitivo e abstrativo originam diferentes tipos de apercepção acidentalmente, isto é, por outro e por razão daquilo ao qual estão juntas. Se remetendo a Aquino, diz o Profundo;

"o conhecimento da visão ou apercepção intuitiva acrescenta sobre a apercepção simples ou abstrativa alguma coisa que está fora da ordem da apercepção, nomeadamente a existência da coisa. Logo, São Tomás sente que as razões da apercepção intuitiva e abstrativa não expressam diferenças essenciais e intrínsecas, porque estas razões não estão fora da ordem da apercepção, mas pertencem à própria ordem do cognoscível. Mas acrescentar alguma coisa que está fora do sujeito que vê e fora da própria ordem da cognição, é acrescentar alguma coisa acidental e extrínseca".

Por sua vez, o ato intuitivo e abstrativo não consistem simplesmente na mera denominação extrínseca, defende João de São Tomás, mas são alguma coisa intrínseca à própria apercepção, de forma que quando estas cognições passam de intuitivas a abstrativas dá-se nelas uma modificação real. Entretanto, podemos encontrar  uma diferença de causa, porque a apercepção intuitiva é causada pela presença e coexistência física do objeto com a potência, ao passo que a abstrativa é produzida pelas espécies inteligíveis de objetos ausentes, ou que nao esta presente. A apercepção intuitiva é sempre mais cara que abstrativa. Uma outra diferença prende-se com a ordenação temporal, dado que a apercepção intuitiva é sempre anterior à abstrativa. No que tange ao cognoscente, a apercepção intuitiva pode ser encontrada tanto nas potências sensitivas quanto nas intelectivas; entretanto, a abstrativa jamais pode dar-se nos sentidos externos. A questão seguinte trata de apurar se pode existir nos sentidos externos um conhecimento intuitivo de coisas fisicamente ausentes, ou seja, se pode ocorrer aí uma apercepção abstrativa. A posição de João de São Tomás, para quem a resposta à questão é, evidentemente, negativa: apercepção intuitiva exige não só a presença objetiva (enquanto conhecida) do objeto, mas também a sua presença física.

No entanto,  é requerido para a razão do intuitivo o segundo modo de presença cognoscente, ou seja, se remete alguma coisa seja atingida a própria presença, atingida enquanto é afetada pela própria presença e enquanto a presença é fisicamente exercida no próprio objeto. Desse modo,  se a presença é atingida deste modo, não pode ser atingida tal como existe no interior das causas e ao modo de alguma coisa futura, nem enquanto passou e teve o modo de alguma coisa passada, porque nenhuma destas coisas é ver uma coisa em si própria, ou ser movido por ela, ou ser atingido com exceção  segundo é em outro. Pois o futuro sob a razão do futuro não pode ser inteleccionado exceto nas causas nas quais está contido. Dai que, como a visão intuitiva é feita na coisa presente segundo a presença afeta essa coisa em si, e não segundo essa coisa é contida em outra ou segundo a própria presença é conhecida como sendo um tipo de coisa e essência, a conclusão manifesta é que a intuição é feita a partir da presença física, enquanto fisicamente se tem da parte do objeto, e não apenas enquanto está objectivamente presente à potência cognitiva. Nos sentidos externos é impossível encontrar apercepções de coisas fisicamente ausentes. No diz Poinsot;  


"Certamente é evidente que uma coisa ausente não pode ser vista, porque os sentidos externos devem receber espécies dos objetos. Mas se os objetos não são presentes aos próprios sentidos, não podem movê-los e produzir espécies. Logo, ao menos para isto a presença física do objeto é requerida. Depois, nos sentidos requerendo um contato físico para produzir a sensação, como é o caso do tato e do gosto, é manifesto que a presença física do objeto é essencialmente requerida, porque o contato é requerido, pois é através desse contato que a própria sensação é intrinsecamente feita. Mas o contato essencialmente requer a presença dos objetos, porque não pode ser feito entre coisas distantes; logo, muito menos entre coisas ausentes, porque todo o ausente in re está distante". No estado de união ao corpo, a nossa inteligência não pode entender as substâncias espirituais senão por conotação com as essências sensíveis; no estado de separação e estaríamos perante um anjo ou inteligência pura é que ela as pode entender como são em si mesmas”.


O instrumento, o meio  por excelência para conhecer a essência ou natureza das coisas sensíveis são as espécies, que representam aos sentidos o que há de formal no objeto, pois, os sentidos não podem receber o objeto com a sua  materialidade física, embora o recebam tal como é, só que despojado de tudo o que nele era material-sensível. Dessa forma,  a espécie é o objeto, entretanto, revestindo-se de um distinto modo de ser: como diz o Dominicano:

“No ser intencional e representativo a espécie impressa é conforme com o objeto; e mais que conforme, pois ela é a própria essência do objeto sob este aspecto, que todo o conteúdo real está contido representativamente na espécie”.

O processo de conhecimento refina-se com a passagem da espécie expressa aos sentidos internos, onde o homem possui quatro faculdades que concorrem para eliciar a cognição. A primeira é o sentido comum, que compara e distingue as sensações produzidas pelos sentidos externos. Tem a fantasia, ou imaginação, que conserva e reproduz as imagens dos sentidos, estando ainda aberta à composição, pois através, das espécies do lobo e do homen, pode formar a imagem do Lobisomen. A estimativa, podendo distinguir as propriedades de benefício ou dano de um objeto, propriedades essas que não estão acessíveis aos sentidos externos. sobre o funcionamento dual desta faculdade, João de São Tomás distingue na estimativa um poder simplesmente cognoscitivo e um poder ativo, ele diz;  

"Pelo primeiro conhece simplesmente o que lhe é apresentado pelos sentidos. Pelo segundo fica ao serviço de uma potência superior e é produtora de uma espécie, não para si, mas para a potência superior que serve, e assim opera em virtude da alma, que eminentemene contém todas as potências e dá à potência inferior a força motiva da potência superior para emitir a espécie”. A última faculdade dos sentidos internos é a memória, que conserva as espécies como passadas, e através de um esforço da vontade, pode reconstituir todo o percurso de uma percepção, processo a que os animais não têm acesso. “Nisto difere a memória da imaginação, porque esta reproduz as espécies como presentes ou atuais, as quais se lhe aderem ’como os outros acidentes aderem ao sujeito em que existem”. 

Este esquema oferece as três operações do intelecto: a apreensão simples, o juízo, além do  discurso ou raciocínio. No que tange ao erro de operação do conhecimento,  só pode ocorrer no juízo que se forma a partir dos dados recebidos pelos sentidos, e João de São Tomás no De Signis, diz que; " não erra o sentido que apreende o latão ou o ouropel (vê uma coisa dourada), mas sim o juízo, capaz de tomar como ouro o que não o é." No que se Coaduna as   operações do intelecto, que constituem, no conjunto, a faculdade especificamente do homem de pensar, elas distinguem se entre a apreensão simples, que é a formação de um termo ou conceito no intelecto sem que nada se afirme ou negue sobre ele; o juízo, a que João de São Tomás chamará também no De Signis composição ou divisão, que se constitui pela atribuição ou negação de um predicado ao termo, formando assim a sentença. Dessa Forma, Temos  para coroar desta longa cadeia o raciocínio ou elaboração do discurso,  que é a faculdade de pensar propriamente dita, quando da verdade de uma proposição se infere outra verdade aí não presente, diz Poinsot;

“O progresso iniciado na apreensão acentua-se e aperfeiçoa-se no juízo e no raciocínio. No juízo, porque na enunciação que ele envolve, e que é a síntese de dois conceitos propostos pela inteligência, o conhecimento alarga-se; e nesse confronto-síntese a inteligência conhece a verdade ou conformidade do próprio juízo com a quididade. No raciocínio completa-se a progressão. Na indução, a inteligência progride da verdade particular, adquirida pela experiência, para a verdade universal ou para a lei; e na dedução, da verdade incerta progride-se para a verdade certa, na qual aquela está contida”.

Portanto, a Espécie é a semelhança-imagem das qualidades sensíveis de uma coisa, imagem essa que é imprimida nos sentidos para que o objeto seja conhecido. Desta maneira, o intelecto recebe as espécies inteligíveis, enquanto os sentidos externos recebem as espécies sensíveis emitidas pelos objetos. A partir das espécies sensíveis a razão forma, por meio do intelecto agente, uma semelhança da coisa no espírito, e é a partir desta, chamada por extensão espécie inteligível, que o universal é abstraído do singular. Traduzido aqui por “relação segundo o ser”, ou ontológica; e (relação segundo o ser dito mesmo), ou transcendental, que correspondem à distinção elaborada pelos Escolásticos  secundum res, secundum verba, como Exposto no inicio do texto. Essa relação ontológica, tal como foi primeiramente formulada por Aristóteles, perpassada a idade media é aquela na qual os relativos têm todo o seu ser para outro; a sua essência é referir-se, ser relação a alguma outra coisa – secundum esse, que refere-se por fim não à existência das relações, mas a este seu modo particular de existir. A relação transcendental por sua vez,  é a ordem para um termo exterior quando essa ordem está incluída numa realidade absoluta e concorre para a definir.  A realidade absoluta é então referida a um objeto exterior a ela própria, existente ou não. Transcendental Aqui aplica-se aqui no sentido de que a relação perpassa e pode ser encontrada em diversas categorias do ser, visto tratar-se da pura generalidade ou indeterminação  que pode ser aplicada a uma vastíssima categoria de entes. O Secundum dici trata-se então da forma como as coisas, embora mantendo em si, de alguma maneira, uma certa realidade absoluta, podem ser definidas pela sua referência a um termo exterior. Por isso ele defende pois que em oposição a situar o secundum dici no plano meramente linguístico, o termo exprime, antes de mais, a realização na ordem do discurso de uma obrigação imposta a essa ordem pela própria realidade, constituindo este conceito uma das bases fundamentais para compreender a natureza e alcance do seu Tratado dos Signos. 







** (O “ Signo id quod signat signatum est”. O “Signo é aquilo que signa um signado”). forma, semelhança, imagem. Trata-se de formas sem matéria, isto é, aquilo que faz as vezes do objecto tornando-o presente ao sujeito cognoscente.)



Referências; 
 
ABBAGNANO, Nicola, 1985, História da Filosofia, vol. IV, Editorial Presença, Lisboa.

AQUINO, São Tomás Suma Teológica.

GARRIGOU-LAGRANGE, R., 1945, “João de São Tomás, Teólogo Português”, in Verdade e Vida, VII.

MARITAIN, Jacques, 1985, “Jean de Saint-Thomas”, in Antologia de Estudos sobre João de Santo Tomás. 

SALGUEIRO, Manuel da Trindade, 1940, O Conhecimento Intelectual na Filosofia de Fr. João de S. Tomás, separata da “Biblos”, vol. XVI, Tomo II, Coimbra.

SALGUEIRO, Manuel da Trindade, 1985, “Intelecto Agente e Intelecto Possível”, in Antologia de Estudos sobre João de Santo Tomás.