Vitral de Santo Estevão

Estêvão em grego quer dizer "coroa", em hebraico "regra". Ele foi a coroa, isto é, o líder dos mártires do Novo Testamento, assim como Abel foi do Antigo. Foi também uma regra, isto é, um exemplo para os outros por sofrer por Cristo, por agir e viver corretamente, por orar por seus inimigos. Estêvão [Stephanus em latim] também pode vir de strenuefans, "aquele que fala sem parar", como mostrou por seus sermões e por sua pregação da palavra de Deus. Estêvão também pode derivar de strenuefans anus, "aquele que fala incansavelmente às velhas'', porque falava com energia e dignidade às viúvas, que eram literalmente velhas, e a quem instruía e dirigia de acordo com o encargo que recebera dos apóstolos. Em suma, foi "coroa" enquanto protomártir, "regra" no padecer e na santidade, "perseverante" na pregação, "infatigável" na instrução às mulheres idosas. 

O LIDER DOS DIÁCONOS

Estêvão foi um dos sete diáconos ordenados pelos apóstolos para exercer o ministério. Era crescente o número de discípulos, mas os gentios convertidos queixavam-se que suas viúvas não recebiam na nova comunidade o mesmo tratamento que as dos judeus cristianizados. Para pôr fim a esse mal-estar, os apóstolos convocaram uma assembléia e disseram: "Não é justo parar-mos de anunciar a palavra de Deus para cuidarmos de coisas materiais". A GLOSA acrescenta: "Porque a alimentação do espírito é preferível aos pratos que alimentam o corpo". Eles prosseguiram: "Escolham, pois, irmãos, sete de vocês de reconhecida probidade, cheios do Espírito Santo e de sabedoria, a quem confiemos essa tarefa”. Essa proposta agradou a toda a assembléia. Sete foram escolhidos e levados aos apóstolos, que através do rito da imposição das mãos deram autoridade para que eles exercessem suas tarefas. O bem-aventurado Estêvão foi o primeiro a ser escolhido e o encarregado de dirigir os demais. Estêvão, cheio de graça e de força, obrava grandes prodígios e grandes milagres em benefício do povo. Os judeus, enciumados, queriam sobrepujá-lo e procuravam vencê-lo de três maneiras: através de debates públicos, prestando falsos testemunhos e submetendo-o a suplícios. Mas ele foi mais sábio na discussão, desmascarou as falsas testemunhas e triunfou dos suplícios. Em cada um desses combates contou com o auxílio celestial.

PERSEGUIÇÃO JUDAICA

Como Estêvão fazia muitos milagres e pregava com freqüência ao povo, o primeiro combate que os judeus invejosos travaram com ele foi o de debates públicos. Ergueram-se contra ele alguns membros da sinagoga dos libertinos, isto é, dos filhos dos escravos libertos. Com efeito, os primeiros a se oporem aos apóstolos foram pessoas de estirpe servil. Essa primeira prova foi como uma guerra que resultou em triunfo, porque "eles nada podiam contra a sabedoria do santo" que teve ajuda divina porque "o Espírito Santo falava por sua boca". Vendo, pois, que não podiam levar a melhor sobre ele nesse gênero de combate, os judeus foram hábeis o bastante para escolher uma segunda maneira, que era vencê-lo por meio de falsos testemunhos. Subornaram então dois homens para acusá-lo de quatro tipos de blasfêmias. Levado diante do conselho, as falsas testemunhas imputaram-lhe quatro acusações: blasfêmia contra Deus, contra Moisés, contra a Lei e contra o tabernáculo ou templo.

 No entanto, todos os que estavam sentados no conselho ao erguerem os olhos para ele viram seu rosto como o de um anjo. Eis o auxílio divino. Veio em seguida a vitória nesse segundo combate, pelo qual as falsas testemunhas foram confundidas em seus depoimentos. O chefe dos sacerdotes perguntou: "As coisas aconteceram tal como acaba de ser afirmado?" O bem-aventurado Estêvão negou categoricamente as quatro blasfêmias que lhe tinham sido imputadas:

1.Primeiro, negou as blasfêmias contra Deus, dizendo que o Deus que falara aos patriarcas e profetas era o Deus da glória.

2.Segundo, negou a imputação de blasfêmia contra Moisés, louvando-o de várias maneiras.

3.Terceiro, negou a blasfêmia contra a Lei valorizando-a por, dentre vários motivos, ter Deus como autor.

4.Quarto, negou a blasfêmia contra o tabernáculo e o templo, dizendo que o primeiro merecia respeito por, entre várias razões, conter a Arca da Aliança. Disse ainda que o templo foi o sucessor do tabernáculo.

Foi assim que o bem-aventurado Estêvão negou, com ajuda do raciocínio, os crimes que lhe atribuíam.

Vendo-se vencidos pela segunda vez, os judeus escolheram um terceiro meio e empreenderam o terceiro combate, por meio de torturas e suplícios. Ao perceber isso, o bem-aventurado Estêvão, querendo praticar o preceito do Senhor acerca da correção fraterna, experimentou três meios de corrigi-los e impedi-los de cometer essa maldade: o do pudor, o do temor e o do amor.

Primeiro recorreu ao pudor, reprovando-lhes a dureza de coração e a morte dos santos. "Cabeças duras", disse, "homens incircuncidados de coração e de ouvidos, resistem sempre ao Espírito Santo como fizeram seus pais. Qual profeta seus pais não perseguiram? Eles mataram os que prediziam o advento do Justo". Com isso, diz a Glosa, ele os acusou de três tipos de pecado. Primeiro, resistir ao Espírito Santo. Segundo, perseguir os profetas. Terceiro, matá-los por excesso de maldade. De fato eles tinham a malícia de uma prostituta, e não se envergonhavam do que faziam nem cessavam de fazê-lo. Muito pelo contrário, ante essas palavras foram tomados por uma raiva que lhes dilacerava o coração e rangiam os dentes contra ele.

Segundo, tentou corrigi-los pelo medo, dizendo-lhes que via Jesus de pé à direita de Deus, pronto para ajudá-lo e para condenar seus adversários. Estêvão estava cheio do Espírito Santo, e erguendo os olhos para o Céu viu a glória de Deus e disse: "Vejo os Céus abertos, e o Filho do homem de pé à direita da Virtude de Deus". E embora já os houvesse repreendido pelo pudor e pelo temor, nem por isso estavam corrigidos, ao contrário, tornaram-se piores do que antes. Soltando grandes gritos e tapando os ouvidos (como se fosse para não ouvir suas blasfêmias, diz a Glosa), jogaram-se sobre ele e, levando-o para fora da cidade, lapidaram-no. Eles acreditavam agir assim de acordo com a Lei, que ordenava lapidar o blasfemo fora do seu local de residência. E as duas falsas testemunhas que deviam atirar a primeira pedra, segundo o texto da Lei - "As testemunhas atirarão a pedra com sua própria mão antes de todos", tiraram a roupa fosse para não se contaminar, fosse para ficar mais à vontade para apedrejar. Depois colocaram-na aos pés de um rapaz chamado Saulo, mais tarde Paulo, que ao guardar essas roupas colaborou no martírio e de certa forma ajudou a lapidar o santo.

Terceiro, não tendo podido emendar os inimigos nem pelo pudor, nem pelo temor, Estêvão tentou um terceiro meio, que era abrandá-los pelo amor. Pode-se dar mais amor do que aquele que ele demonstrou orando por si e por eles? Orou primeiro por si, a fim de abreviar os instantes da sua paixão, e para que esta não lhe fosse imputada como pecado, em seguida orou por eles. Enquanto era lapidado, Estêvão orava e dizia: "Senhor Jesus, receba meu espírito" Pondo-se em seguida de joelhos, exclamou em voz alta: "Senhor, não lhes impute este pecado, pois eles não sabem o que fazem". Amor tão admirável que quando reza por si está de pé, quando reza por seus carrascos põe-se de joelhos, como se preferisse muito mais ver satisfeito o que solicitava para os outros do que o que pedia para si. Mais por eles do que por si, diz a Glosa, porque implorava maior remédio onde maior era o mal. Nisso o mártir de Cristo imitou o Senhor, que na Paixão orou por si ao dizer: "Pai, ponho minha alma em suas mãos"; e orou pelos que o crucificavam dizendo: "Pai, perdoa-os, pois não sabem o que fazem".  Depois daquelas palavras, "Estêvão adormeceu no Senhor”. 

MILAGRES

O eminente doutor Agostinho relata que o bem-aventurado Estêvão foi ilustre por inúmeros milagres, pela ressurreição de seis mortos, pela cura de uma multidão de doentes. Entre os milagres que ele nos conta, há alguns notáveis. Ele afirma que quando os doentes tocavam as flores ou os mantéis do altar do beato Estêvão, ficavam milagrosamente curados. No livro XXII de "A CIDADE DE DEUS", Agostinho escreve que algumas flores do altar do mártir colocadas sobre os olhos de uma cega permitiram-lhe recuperar imediatamente a visão.

Eis outro milagre relatado no mesmo livro: uma senhora chamada Petrônia estava há tempos atormentada por uma enfermidade gravíssima e a grande quantidade de remédios que tomara não tinha produzido nenhum sinal de cura. Um dia consultou um judeu que lhe deu um anel com uma pedra engastada, o qual devia ser atado com um cordão sobre sua carne nua, de forma que por virtude dele recobrasse a saúde. Mas tendo percebido que isso não lhe proporcionava bem algum, correu à igreja do protomártir e bem-aventurado Estêvão para lhe pedir que a curasse. No mesmo instante, sem que tivesse desamarrado o cordão, o anel caiu no chão e ela sentiu-se totalmente curada.

DIA DE CELEBRAÇÃO

Cumpre observar que o bem-aventurado Estêvão não sofreu o martírio em 26 de dezembro, data da celebração de sua festa, mas, como dissemos acima, no dia 3 de agosto, data em que é comemorada a descoberta de suas relíquias. A Igreja teve duas razões para escolher as três festas que seguem o Natal. A primeira, reunir Cristo, esposo e chefe, aos que tinham sido seus companheiros. De fato, ao nascer, Cristo, o Esposo, deu neste mundo à Igreja, sua esposa, três companheiros, de que se fala no Cântico dos cânticos: "O meu amado é alvo e rosado, o eleito entre mil". O alvo indica João Evangelista, precioso confessor; o rosado, Estêvão, protomártir; o escolhido entre mil, a multidão virginal dos Inocentes. A segunda razão é que desta forma a Igreja reúne todos os tipos de mártires, de acordo com seu nível de dignidade, ainda que todos tenham uma mesma causa, a natividade de Cristo. Há três tipos de martírio, o desejado e consumado, o desejado e não consumado, o consumado mas não desejado. O primeiro foi o do beato Estêvão, o segundo do beato João, o terceiro dos Inocentes.



Retirado de: 

Legenda Aurea - Tiago de Voragine