As Universidades são muito importantes para o desenvolvimento intelectual humano, pretendo analisar aqui algumas nuances, e descrever um pouco sobre a realidade das mais antigas universidades e uma reflexão ai para o leitor possa tirar disso tudo.


Começamos por  Bolonha que liga-se ao renascimento dos estudos jurídicos no Ocidente. Desde o fim do século X surgiram em Bolonha sinais de renascimento cultural. Já era tradicional,  a sua escola de artes liberais e no século XI eram muitas as escolas de retórica, a escola episcopal e as monásticas, além das particulares, e na metade dessa centúria já havia professores e ensino de direito. Em documentos de 1070 ao fim do século XI acham-se indicações de iudices, de causidici, de advocati e advocatores, de legum docti ou legis periti, expressões que designavam os estudos de direito e a profissão de jurista. Os primeiros professores públicos de direito, como  Pepo, citado em documento de 1076 como legis doctor, o legis doctor Alberto citado em 1067, Iginulfo mencionado em 1076 e o legis doctus Rústico recordado em 1088, e tudo indica que o Studium bolonhês, que deu origem à universidade de direito, teve origem leiga, uma vez que leigos eram habitualmente os "causídicos", os "advogados" os "juízes", além do fato de a escola de teologia de Bolonha só se entrosar no Studium e se integrar na universidade em 1364. Dessa maneira, pois, que a universidade de Bolonha surgiu das escolas particulares e dos professores leigos, práticos e especialistas em leis, assim como de juristas notáveis como Pepo além de  Irnério, o verdadeiro fundador da universidade de direito. Ele era bolonhês, nasceu à volta de 1055 ou 1060, estudou as artes liberais em Bolonha e foi aluno de direito de Pepe, onde iniciou  o seu magistério jurídico no fim do século XI em Bolonha. 

Entretanto, Bolonha principiou a renovação do direito canônico que logo se difundiu por outras universidades, mosteiros e bispados. Aos séculos que existiam e se colecionavam os decretos pontifícios, as decisões dos concílios, as leis eclesiásticas. Entre tantas outras podem ressaltar-se as coleções de Reginão, de Anselmo de Lucca, de Burcardo e de Ivo, mas todas foram postas de lado, quando surgiu a nova compilação feita por Graciano, o Decretum. Esse autor foi um monge camaldulense nascido em Chiusi. Ele gastou dez anos para compor o Decretum (Concordantia Discordantium Canonum) e é certo que iniciou o seu trabalho no mosteiro de São Félix de Bolonha. O grande mérito do monge Graciano foi ter estabelecido a distinção entre ó direito canânico e a teologia, tal como Irnério conseguira separar o direito civil das outras artes junto com as quais até então fora ensinado. Dessa forma poucos acrescentaram-se ao Decretum as Decretais de Alexandre III e de outros papas, por iniciativa de Gregório IX, em cinco livros, depois um sexto por Bonifácio VIII, mais as Clementinas, o que resultou na formação do Corpus Juris Canonici equivalente ao Corpus Juris Civilis. Apesar de a compilação feita por Graciano ter aspecto tipicamente jurídico,  ele copiou a divisão das matérias do direito romano em personae, res, actiones, e se ele manifestou constantemente as suas concepções de jurista; ele distinguiu a teologia especulativa da teologia prática externa baseada na potestas, as suas preocupações jurídicas de modo algum lhe fizeram rejeitar todos os elementos teológicos que constituem a contribuição dos séculos anteriores. 

O fato é que doravante ao estudo do direito civil em Bolonha se associou o do direito canônico a perfazer o plano universitário medieval de reunir o Direito Romano com o Direito Canônico num só sistema de ensino, o do utrumque ius, e, por isso, no século XIII em Bolonha, ao lado do Colégio do Ius civile sive Caesareum com 16 doutores apresenta-se o Colégio do Ius Canonicum com 12 doutores. Em Paris a universidade formou-se a partir das escolas de teologia e de dialética.  No século XII a cidade fervilhava de mestres de artes liberais e da sagrada página e entre eles avultaram Pedro Abelardo, lógico e teólogo, Pedro Lombardo, o mestre das sentenças, e inúmeros outros. Em Paris concentravam-se estudantes provenientes de todos os recantos da Europa e foi dum conflito entre estudantes alemães e os comerciantes que resultou o primeiro privilégio real obtido pela corporação de mestres e estudantes e esse ato assinalou a constituição inicial da universidade de Paris, enquanto o que se poderia denominar patente da fundação da universidade de Bolonha foi constituída pelo Authentica habita do imperador Frederico Barba Roxa em 1158 com que este soberano outorgou privilégios aos estudantes e aos professores de Bolonha . Ao lado das universidades de Bolonha (Direito Civil e Direito Canônico), de Paris (Artes e Teologia) e de Montpellier (Medicina), surgiu a primeira universidade inglesa em Oxford. Em 1110 aí chegou o primeiro mestre, o clérigo Teobaldo de Étampes.  

Vieram, em seguida, Roberto Pullus, teólogo inglês, mestre em Paris e autor de Sentenças; Adelardo de Bath e Daniel Morley, imbuídos de ciência árabe colhida na Espanha, e Vacário, legista de Bolonha e aluno de Irnério. Durante o século XII, portanto, divulgou-se em Oxford o ensino das artes, da teologia e do direito civil e, embora não houvesse escola episcopal, pois a sede do bispado ficava em Lincoln, o ensino distribuía-se por muitos conventos e igrejas, máxime na abadia de Oseney e no convento agostiniano de Sainte-Frideswyde. Por  conseqüência da morte de dois estudantes  causada pelos burgueses em 1208-1209, houve a dispersão das escolas e os estudantes emigraram para Paris, Reading e Cambridge, o que ocasionou a fundação do studium generale de Cambridge. Oxford conseguiu então a jurisdição eclesiástica para os estudantes, concedida pelo legado pontifício, o cardeal Nicolau, e logo eles também receberam o direito de greve e de secessão, de modo que no reinício dos cursos em 1214 a universidade já dispunha de garantias para a sua autonomia. O decreto do legado pontifício,  foi o primeiro documento com a natureza de carta de privilégios que a universidade de Oxford pôde ostentar. Além disso, não houve data marcada para o aparecimento das universidades. As bulas pontifícias e as cartas patentes dos reis foram expedidas numa data determinada, mas só vieram consagrar o que era fato consumado,  a constituição de uma corporação de mestres e estudantes. Contudo, as primeiras universidades formaram-se espontaneamente e reis e papas apenas reconheceram oficialmente as novas instituições. 

Assim, o reconhecimento formal da universidade de Paris deveu-se ao privilégio conferido em 1200 pelo rei Felipe Augusto aos professores e estudantes, aos Estatutos promulgados pelo legado pontifício, o cardeal Roberto de Courçon em 1215, e à bula de Gregório IX de 1231, Parens scientiarum. As universidades de Paris e de Bolonha deram o tom para o futuro reconhecimento de novas escolas desse tipo, ao mesmo passo que lhes iriam servir de modelo e inspiração. As universidades que se formaram espontaneamente são chamadas ex-consuetudine, e as criadas por iniciativa papal e principesca, ex-privilegio.

 As universidades de Palência e Nápoles, também  nasceram repentinamente da iniciativa oficial, a de Palência na Espanha foi criada por Afonso VIII de Castela em 1212-1214 e a de Nápoles foi erigida por Frederico II em 1224 para ser pepineira de funcionários públicos. Convém, ademais, observar que as universidades de início não eram escolas de saber universal, mas institutos especializados numa determinada área do conhecimento, como o testemunham os célebres versos de Geoffroy de Vinsauf (Poetria nova, v. 1008-1012). Ao surgir no fim do século XII, a universidade de Paris não comportava o ensino do direito civil. Em Bolonha, a faculdade de teologia só foi criada pelo papa Inocêncio VI em 1364. A universidade de Orleães só ministrou o ensino do direito. A de Toulouse instituída em 1227 teve por objetivo dispensar o ensino da teologia e combater a heresia albigense. Por outro lado, havia muita movimentação de professores entre as universidades. Os legistas de Bolonha,  introduziram o estudo do direito na universidade de Montpellier na França e em Oxford na Inglaterra, enquanto os teólogos formados em Paris se espalhavam por todos os cantos da Europa. 

Convém saber, que o termo universidade não significava o conjunto das faculdades, mas indicava apenas a associação de pessoas, alunos, professores e funcionários de uma cidade, aplicados ao estudo das artes, do direito, da teologia e da medicina, pois o termo,  valia por associação ou corporação. Na segunda metade do século XIII a expressão studium generale indicava um centro de estudos e o termo generale, geral, não denotava a extensão universal dos conhecimentos, mas tão só o fato de que as aulas eram públicas, acessíveis aos alunos de qualquer país e de qualquer condição, ao contrário do studium particulare que era centro de estudos exclusivos de estudantes de uma determinada província, por exemplo, da ordem dominicana. O studium solemne, por sua vez, era um centro de estudos muito importante e bem freqüentado mas que não era necessariamente generale. 

Muitas universidades surgiram por iniciativa dos reis que as fundavam com intuitos políticos: promover a própria terra, beneficiar os súditos e evitar a intromissão dos políticos estrangeiros. Assim, em 1431, em plena Guerra dos Cem Anos, o rei da França Carlos VII solicitou ao papa Eugênio IV a bula para a ereção da universidade de Poitiers, uma vez que a de Paris estava sujeita à influência estrangeira devido à ocupação inglesa. Assim, ainda por ocasião da Guerra dos Cem Anos, foram fundadas as universidades de Caen na Normandia, em 1437, e a de Bordeaux para a Guiena, em 1441. Foi, ainda, por razões políticas que o rei Luís XI e o papa Pio II consentiram na fundação da universidade de Nantes na Bretanha, em 1460, e o papa Paulo lI publicou a bula para a fundação da universidade de Bourges em Berry, em 1464. Na Itália, além do caso notório de Nápoles, algumas cidades fundaram studia para aumentarem a sua população e riqueza, tal como Pavio, Ferrara (1391) e Florença . Na fundação desta última, além do ciúme que ela tinha de Pisa, aduziu-se o desejo de reparar a falta de habitantes causada pela peste no ano anterior. 

O século XIII, foi também a época de ouro das universidades, pois, exceto a de Bolonha nascida no século XII, nele se organizaram as de Paris, Oxford e Salamanca, as primeiras e as mais importantes. No século XIII contam-se dezenove fundações universitárias. No século XIV foram fundadas umas vinte e oito e, no século XV, mais de trinta. Como já dissemos algo das primeiras grandes universidades de Bolonha, Paris e Oxford, observemos que a de Salamanca, "the queen of spanish universities",  fundada à volta de 1227, só obteve a sua carta patente de Fernando III, rei de Castela e Leão, em 1243, deveu a sua prosperidade a Afonso X, o Sábio, é nela tiveram realce especial os estudos musicais, tendo sido a universidade de Salamanca a primeira a outorgar graus acadêmicos em música. Paris e Bolonha foram os protótipos das universidades medievais. Paris, chamada por Mullinger de "o Sinai da instrução" na Idade Média, serviu de modelo para as universidades de Oxford e Cambridge na Inglaterra; de Praga, Viena, Heidelberg e Colônia na Germânia, enquanto Bolonha inspirou principalmente as universidades da Itália, exceto a de Nápoles, as de Montpellier e Grenoble na França, e outras. 

Em Portugal, em 9 de agosto de 1290, o papa Nicolau IV pela bula De statu regni Portugaliae, expedida de Orvieto, aprovava a fundação do Estudo Geral de Lisboa, concedia-lhe vários privilégios e autorizava a licenciatura de Artistas, Canonistas, Legistas e Médicos "que os Mestres reputarem idôneos", só não havendo, por expressa declaração papal, o ensino da teologia. A universidade foi transferida em 1308 para Coimbra pelo rei D. Dinis, mas D. Afonso IV em 1338 mandou-a regressar a Lisboa, donde retornou a Coimbra em 1354. D. Fernando trouxe-a de volta para Lisboa em 1377, até que D. João III a instalou definitivamente em Coimbra em 1537. Ora, a universidade de Coimbra é do tipo bolonhês em que os escolares são o elemento preponderante. 

Vejamos, pois, em que consistem os modelos universitários bolonhês e parisiense. A universidade de estudantes surgida em Bolonha constituiu uma novidade na história da educação,  pois se distinguia das instituições anteriores e diferia das que dela se desenvolveram. Convém ter em mente que os estudantes de direito eram geralmente adultos, como os de teologia e de medicina, já que os adolescentes ainda se viam a cursar as artes. Uma vez que eles vinham a Bolonha de várias regiões da Itália e de outros países, era muito natural que procurassem agrupar-se de acordo com a sua origem e nacionalidade, pois se sentiam irmanados e cuidavam de ajudar-se uns aos outros na qualidade de estrangeiros, hóspedes em terra estranha. Desse modo, para se defenderem dos abusos cometidos pelos burgueses e para se auxiliarem, os estudantes formaram as Nações nas duas universidades, como hoje podemos dizer, a dos juristas e a dos artistas, que também abrangiam os estudantes de medicina, pois o termo universidade veio a designar o conjunto de estudantes de uma certa disciplina e, nesse caso, os de Direito, de Artes e os de Medicina. Cada nação podia eleger um conselheiro, mas nos estatutos de 1317-1347 eles eram dezoito para cada universidade, embora as duas universidades tivessem, de fato, trinta e oito conselheiros, donde se colhe que as três nações italianas principais tinham cada uma seis conselheiros. Desde o início do século XIV começou a operar a universidade dos artistas, uma só para os estudantes italianos e os estrangeiros e, de início, com quatro nações e nove conselheiros (três lombardos, dois ultramontanos, dois romanos e dois toscanos). As nações, e depois as universidades, reuniam-se para às assembléias e para a discussão dos seus negócios em diversos lugares da cidade, particularmente nas igrejas que lhes eram destinadas. Os ultramontanos reuniam-se na igreja de São Próculo, os citramontanos na de São Domingos e a universidade dos artistas na igreja e no convento dos franciscanos. 

Devido aos encargos da função, o reitor devia ser homem rico. Os outros componentes da administração universitária que cooperavam com o reitor eram quatro síndicos (dois de cada universidade) que deviam rever os atos dos reitores. Um advogado ou síndico cuidava dos interesses do reitor perante o foro público. Seis clérigos prudentes eram incumbidos de revisar os livros que circulavam nas universidades. Os livreiros, stationarii, promoviam a cópia de livros e vendiam-nos. Os clérigos adstritos ao exame da lisura das cópias e da correção dos textos eram os peciarii, do termo pecia, seção do original aprovado de um manuscrito. Os massarii eram os tesoureiros, um para cada universidade. O notário redigia os processos, anotava as matrículas e copiava os estatutos. Finalmente, os bedéis gerais acompanhavam os reitores nas cerimônias públicas (procissões ou funerais), anunciavam os debates, as aulas, os feriados, a venda de livros e viviam da generosidade dos estudantes, enquanto os bedéis especiais cuidavam da limpeza e de outros aspectos materiais da escola.  A partir de 1317 as duas universidades de direito formaram praticamente uma só escola, um todo com os mesmos estatutos e as mesmas assembléias. Na falta de um reitor, o outro o substituía. No início do século XVII a comuna já usurpara a maior parte dos privilégios da universidade. Quando Napoleão invadiu Bolonha em junho de 1796, as nações e os oficiais foram dispersados, e em 1798 a universidade de Bolonha pela primeira vez teve um reitor não estudante mas professor.  A parte central da universidade de Bolonha era o Studium, o complexo docente, em que os professores ensinavam aos alunos um conjunto de disciplinas jurídicas. Os mestres foram chamados inicialmente de doctores. Quando estes se tornaram numerosos, e nem todos lecionavam, distinguiram-se os doctores legentes, os professores estáveis, e os doctores non legentes, advogados que não lecionavam ou porque os estudantes não os escolhiam ou por exercerem outras funções municipais. Desde a metade do século XII os docentes foram denominados professores. O professor chamava-se dominus quando ensinava direito civil e magister quando lecionava direito canônico, filosofia ou teologia. Mais tarde, o professor de direito foi chamado também de reitor, aquele que "rege" ou tem cátedra. Mestre tornou-se o título quase exclusivo do professor de medicina ou de artes. 

Os professores de direito em Bolonha recebiam, de início, os seus salários das universidades de estudantes. No fim do século XIII a Comuna ou a municipalidade pagava os salários dos professores de algumas cátedras. Nesse regime, primeiro os estudantes indicavam os professores que seriam pagos pela Comuna, depois esta escolhia os mestres e, por fim, fazia o pagamento de todos os assalariados, exceto os professores das disciplinas mais modestas propostas pelos estudantes. Na metade do século XIV formou-se a magistratura dos Reformadores do Studium que fiscalizavam o comparecimento dos professores e descontavam as faltas na folha de pagamento. No começo do século XIV distinguiam-se os professores dos leitores. Estes eram comumente estudantes estrangeiros com alguns anos de estudo e a promessa de se doutorarem. Bacharel era o título dos estudantes que ministravam aulas extraordinárias (extraordinarie legentes) e nada recebiam por conta das aulas, antes eles é que deviam pagar uma taxa para poderem proferi-las.  Em Bolonha só havia o grau universitário de doutor e os doutores não pertenciam às universidades mas ficavam de fora e formavam o Colégio dos Doutores, desde a segunda metade do século XIII. Em 1219, o arcediago de Bolonha foi incumbido pejo papa Honório III de conceder o doutorado aos estudantes competentes e dignos. 

O Colégio dos Doutores tinha o encargo de examinar os estudantes e de conferir o grau de doutor. Nos séculos XIV e XV diminuiu a autoridade desse Colégio devido à exclusão dos estrangeiros, ainda que fossem de excepcional valor e, por causa do nepotismo, que passou a imperar na distribuição dos cargos docentes atribuídos aos parentes, filhos, irmãos ou sobrinhos dos doutores em exercício. Cada Colégio tinha os seus próprios estatutos (civilistas, canonistas, médicos e artistas). Nos séculos XIV e XV o Colégio de Direito Civil tinha dezesseis membros ordinários e três extraordinários ou supranumerários sob a presidência de um Prior, cós mandato geralmente de dois meses e sob a assistência do arcediago. Os colégios perduraram até o período napoleônico com o poder de conceder a láurea de doutor que se obtinha através de rigoroso exame privado. O estudante aprovado obtinha então a Licença. O outro exame, público e solene, era menos exigente quanto ao saber, mas dava mais despesas e a láurea era concedida solenemente na catedral. O Doutor do Colégio gozava em Bolonha de altíssima consideração e, por diploma de Carlos V em 1530, passou a ser considerado conde palatino.  Demos grande atenção à universidade de Bolonha porque, geralmente, quando se fala de universidade medieval - exceto nas faculdades de direito - o que se diz é sempre alusivo à universidade de Paris, o maior centro de estudos literários, científicos, filosóficos e teológicos da Idade Média. O Cartulário da universidade de Bolonha fala-nos dos juramentos dos mestres de não abandonarem a cidade, dos salários, dos aluguéis, enfim, de questões predominantemente financeiras. O Cartulário da universidade de Paris está referto de preocupações doutrinárias e retrata a vida animada dos mestres e dos estudantes preocupados com os problemas filosóficos e teológicos. Por isso, exceto para a carreira jurídica, falar de universidade medieval é principalmente conhecer e tratar da universidade de Paris que se formou espontaneamente no século XII através da associação dos mestres de artes e de teologia. 

Abelardo foi o representante máximo desse duplo magistério, pois os seus cursos de lógica e de teologia atraíam milhares de estudantes de toda a Europa na primeira metade do século XII. universidade de Paris converteu-se no decurso do século XIII numa confederação das escolas espalhadas pela cidade e cada uma era dirigida por um mestre regente. A princípio, o termo "faculdade" designava a matéria ensinada, por exemplo, a teologia e, depois, o conjunto dos mestres e estudantes da mesma disciplina: artes, teologia, direito e medicina. A faculdade abrangia as escolas que ensinavam uma dessas disciplinas e era dirigida pelo Conselho dos mestres sob a orientação do deão, o professor mais antigo ou mais idoso. Em 16 de novembro de 1219 Honório 111 prescreveu cinco anos de estudo da teologia e proibiu, sob pena de excomunhão, o ensino do direito civil. Pelo estatuto de 19 de março de 1255, com a prescrição oficial dos livros de Aristóteles no programa, a faculdade de Artes transformou-se, de fato, em Faculdade de Filosofia . Numa carta de Urbano IV de 22 de junho de 1262 aparece com destaque a expressão Parisiensis Universitas, a universidade de Paris, e em 1292 o papa Nicolau outorgou aos mestres da universidade de Paris o privilégio de ensinarem no mundo inteiro - ius ubique docendi - sem precisarem fazer novo exame. 

Entrava-se na Faculdade de Artes com a idade de 15 anos. O curso durava quatro e, após longos exames (determinatio), o estudante tornava-se bacharel. Aí fazia um estágio de dois anos, a explicar textos e a participar de exercícios escolares sob a orientação do mestre. Findo o estágio ele obtinha a licentia docendi, licença para ensinar, e o título de magister artium, equivalente a doutor, com vinte e um anos, estando apto para cursar teologia, direito ou medicina. Alguns mestres, antes de prosseguirem os estudos, lecionavam por alguns anos na Faculdade de Artes. Na Faculdade de Teologia, depois de seis anos de estudos como ouvinte, o estudante passava à categoria de bacharel. Fazia então o estágio de dois anos como bacharel bíblico, cursor, a explicar a Sagrada Escritura, e mais dois como bacharel sentenciário, sententiarius, a explicar os Quatro Livros das Sentenças de Pedro Lombardo. Só então o bacharel conseguia a licentia docendi e era baccalarius formatus. Depois de fazer novos exames obtinha finalmente o título de magister in sacra pagina. Todas as provas eram orais. De acordo com os estatutos de 1215, a idade mínima para ensinar teologia era de 35 anos, após o curso de Artes e os nove de Teologia. O bacharelado em direito canônico exigia 60 meses de cursos e mais 36 a 40 meses de ensino para a obtenção da Licença. Em medicina requeriam-se 38 meses em 4 ou 5 anos para o bacharelado. O doutorado em todas as faculdades era a licença para ensinar. Com efeito, a documentação dos cartulários e de outras fontes não esclarece suficientemente a respeito da duração e da distribuição dos anos na carreira teológica. 

O estudante de teologia estagiava no ensino com o objetivo de conseguir a licença e tornar-se mestre durante quatro anos como cursor ou bacharel bíblico (dois anos) e como bacharel sentenciário (dois anos). Portanto, somados aos anteriores esses quatro anos de presença contínua em Paris, têm-se os quinze anos (14 depois) de estudos teológicos para a Licença ou Doutoramento, pois ninguém se tornava mestre em teologia antes dos trinta e cinco anos.  Antes do século XIV as universidades não possuíam prédios próprios e as aulas eram ministradas em salas, em claustros e até ao ar livre. Muitos professores davam aulas na sua própria casa e os alunos sentavam no chão coberto de palha. Em Paris a Rue du Fouarre, a Rua da Palha, conservou no nome a lembrança desse uso. O professor falava, tendo diante de si uma estante para o livro, e ensinava de cima de um estrado. A sua roupa era, de regra, um traje escuro de compridas pregas e com capuz de pele.  Não havia férias propriamente ditas, como hoje as entendemos, mas em compensação havia 79 dias non legibiles em que o professor não dava aula, por ser dia de festa ou por algum outro motivo. Nos dias santos, entretanto, assim como aos domingos, havia sermão que era um gênero didático. Os sermões, de nível teológico elevado, eram feitos em latim, língua própria do auditório cosmopolita, e tinham estrutura especial. Quando morria um professor de qualquer faculdade, suspendiam-se as aulas até passarem os funerais. Não havia aula, também, quando havia procissão geral da universidade e nos dias dos santos padroeiros das nações. Além dessas folgas havia, ainda, as suspensões propositais dos cursos, por ocasião das greves escolares, o que aumentava bastante o número dos feriados apontados pelos estatutos.  

Na faculdade de artes, na parte da manhã verificava-se o trabalho dos alunos, corrigiam-se as composições, tomavam-se as lições, e no período vespertino o professor dava aulas, declinatio em gramática e lectio nas outras disciplinas. A aula terminava com a reza do De profundis e do Pater. Na faculdade de teologia, ao contrário, os mestres e os bacharéis davam aula de manhã: o mestre, das sete às nove horas, e o bacharel sentenciário, das nove ao meio-dia. Quando o mestre não dava aula, o sentenciário o substituía. O bacharel bíblico entendia-se com o mestre e com o sentenciário e lecionava de manhã. No período vespertino o bacharel bíblico dava lições, quando não o pudera fazer antes ou havia disputas sob a direção do mestre ou de um bacharel. O debate presidido pelo mestre era ato oficial, levava à supensão das aulas da manhã nas outras escolas e à assistência ao ato vespertino. Quando havia qualquer disputa ordinária ou solene numa escola, suspendiam-se as aulas nas outras e os alunos iam assisti-Ia. Nos conventos dos religiosos e nos colégios havia, de tarde, trabalho em comum, repetições de aulas, conferências e outros exercícios escolares. Aos domingos e dias santos, além da Santa Missa, estudantes e mestres eram obrigados a ouvir sermões, um de manhã e o outro, de tarde. No verão o mestre não dava aula e os bacharéis completavam as lições que, porventura, ainda devessem.

Os estudantes das universidades, assim como os professores, desfrutavam de grandes privilégios e isso foi motivo de irritação para os burgueses que deviam, ainda, suportar as impertinências de jovens estouvados e arrogantes. Na Dieta de Roncaglia de 1158, como já vimos, Frederico Barba-Roxa concedeu os primeiros privilégios aos universitários. Em 1198 o papa Celestino III decidiu que as questões de dinheiro dos estudantes parisienses só deviam ser levadas a tribunais eclesiásticos e não perante juízes profanos. Na célebre proclamação de 1200, o rei Felipe Augusto ordenou que as ofensas cometidas pelos estudantes contra os burgueses fossem julgadas apenas pelo tribunal eclesiástico. Em outras cidades esse privilégio passou por várias modificações. Na Itália geralmente os crimes perpetrados por estudantes eram da alçada dos magistrados municipais. Uma vez que na Idade Média só os plebeus e os camponeses pagavam impostos, pois os nobres e o clero estavam isentos de taxas, os universitários também obtiveram essa isenção na Itália, na França e na Espanha. Além disso, os universitários estavam dispensados do serviço militar, tanto em tempo de guerra como em tempo de paz, quando serviam como guardas da milícia urbana. Professores e estudantes não podiam ser distraídos do trabalho intelectual, exceto nos casos de grave perigo, quando os inimigos estivessem a pequena distância da cidade. 

Emfim, na Itália houve privilégios dessa espécie, mas a isenção total do serviço militar só era concedida aos membros mais elevados da universidade. Assim, na universidade de Ferrara estavam dispensados de qualquer serviço militar os doutores em direito, medicina e artes liberais. Convém lembrar, no entanto, que esse privilégio foi muitas vezes contestado sem êxito. Por outro lado, em muitas ocasiões os universitários apresentaram-se como voluntários para defender a cidade, como o fizeram os parisienses em 1356. Outros privilégios de que desfrutaram as universidades foram a greve, cessatio, de que se usou e abusou freqüentemente; a transferência do Studium para outra cidade, migratio, e outras pequenas vantagens como, por exemplo, alguns ingressos gratuitos para os espetáculos dos comediantes.




 
Referência; 

Rui Afonso da Costa Nunes, A historia da educação na idade media.

Charles Homer Haskins, Ascenção das universidades. 

Thomas Woods Jr, Como a Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental.

Jacques Le Goff, os Intelectuais da Idade Media.