Nesse Pequeno artigo, eu trago algumas nuances da gnosiologia Tomasica, com intuito de encerrar por enquanto meus escritos sobre o doutor comum, pois bem, sem mais delongas, vamos lá. 

O primeiro ponto, e não menos importante, se da no âmbito do conhecer as entidades em singularidade, como isso se dá no Tomismo? Bom,  Se todo conhecimento intelectual é abstrativo, como sabemos, o conhecimento das coisas sensíveis singulares se torna uma Aporia; como conhecer pelo intelecto o singular mediante um universal? Sabemos, que pode-se conhecer a species ou a forma abstrata e universalizada do singular material, no entanto,  à princípio, não se poderia conhecer o singular enquanto singular.

Nesse ínterim, a análise de Tomás defende o  seguinte; A)  há um conhecimento sensível direto do singular enquanto singular; B) um conhecimento intelectual abstrato, universal e direto da forma do singular e;  C) há um conhecimento intelectual indireto do singular enquanto tal.

Dessa forma,  intelecto conhece (o universal e o singular), contudo, de duas maneiras diferentes: primeiro, conhece a natureza da species, ou o que é, tendendo diretamente para ela "directe extendendo se in ipsam" e o próprio singular mediante uma reflexão ao retornar sobre as imagens das quais foram abstraídas as species inteligíveis, nos diz  Tomás já na suma teológica.

Além disso, Aquino utiliza-se de duas expressões determinantes para a compreensão da sua tese sobre o conhecimento do singular;  "certa reflexão" e "conversão (ou volta) à imagem sensível (phantasma)". 

Essa "certa reflexão" é usada para indicar a maneira pela qual o intelecto, unido ao sensível (à imagem), pode conhecer indiretamente o singular material. Por seu turno, a expressão "volta (ou conversão) à imagem (ou ao fantasma)" assinala a dependência da intelecção do sensível, daí que,  não só as species inteligíveis são formadas a partir das imagens sensíveis, no entanto,  o ato de intelecção, para se realizar "completa e verdadeiramente", digamos assim, torna-se necessário, retornar à imagem sensível.

Na Suma Teológica, I, questão 86, artigo 1 , Tomás formula sua tese sobre o conhecimento do singular: A) o intelecto humano conhece diretamente o universal e B) por uma certa reflexão, o intelecto pode conhecer indiretamente o singular, voltando-se às imagens das quais foram abstraídas as species inteligíveis. 

Entretanto,  indiretamente e como que (quasi) por uma certa reflexão, o intelecto pode conhecer o singular, pois,  mesmo depois que abstraiu as species inteligíveis, o intelecto não pode segundo elas (secundum eas) inteligir em ato a não ser voltando-se ( convertendo se ad phantasmata) para as imagens sensíveis nas quais intelige as species inteligíveis, como está dito no De Anima III. Destarte, o intelecto,  intelige diretamente o universal pelas species inteligíveis, mas , indiretamente os singulares dos quais procedem as imagens.

Como se sabe, o princípio dessa operação é a "species inteligível" produzida pela ação do intelecto agente sobre a imagem sensível, fantasma.  O termo da operação (ou, ao menos, da primeira operação do intelecto) é a formação de um universal (conceito, verbo interior ou intentio intellecta) que exprime uma natureza abstrata com intenção de universalidade, logo depois será impressa no intelecto possível.

O universal, enquanto termo da ação imanente de inteligir, é apreendido diretamente, o que não significa que seja apreendido imediatamente, pois a operação imanente é constituída por etapas distintas. Ela inicia-se pela produção da species inteligível e termina com a formação do universal.

Na explicação do conhecimento indireto do singular, formulada no texto canônico da Suma, I, q. 86, a.129 , as noções de ‘certa reflexão’ e de ‘volta ou conversão à imagem (phantasma)’ estão relacionadas. Mas indiretamente e como que (quasi) por uma certa reflexão, (o intelecto) pode conhecer o singular, pois, como foi dito acima, mesmo depois que abstraiu as species inteligíveis, o intelecto não pode segundo elas (secundum eas) inteligir em ato a não ser voltando-se (convertendo se ad phantasmata) para as imagens sensíveis nas quais intelige as species inteligíveis, como está dito no De Anima III.  Assim, portanto, intelige diretamente o universal pelas species inteligíveis, porém, indiretamente os singulares dos quais procedem as imagens. 

Por fim, concluímos que, a relação entre as noções de "certa reflexão" e "conversão ao fantasma", tendo em vista as afirmações de Tomás de que o intelecto humano não pode conhecer direta e primeiramente o singular material;  no presente estado da vida não há intelecção em ato sem conversão à imagem sensível; por isso, a  imagem sensível é uma similitude de um singular material; dai que o conhecimento pelo intelecto do singular material envolve uma reflexão, mas que é diferente da reflexão constitutiva de todo ato judicativo direto. 

Por outro lado, como podemos identificar a verdade no seu âmbito epistemológico, ontológico e lógico? Ou nas duas simultaneamente?  Santo Tomás de Aquino, para proceder de modo mais claro, confronta a verdade lógica (que reside na inteligência) com a verdade ontológica (que diz respeito às coisas), para melhor compreender as diferenças e delimitar a primeira de modo evidente. A verdade ontológica consistiria em conformidade de uma coisa com a intenção daquele que a fez, sendo o seu princípio e origem quem lhe outorga as suas condições para existir; isso implica dizer que todo o ser deve possuir a sua forma única e própria para ser verdadeiro. 
Um objeto,  é verdadeiro enquanto possui a forma que corresponde à sua natureza. Noutros termos, uma coisa é verdadeira quando deve ser para ser tal coisa e não outra. Fala-se, assim, de um couro verdadeiro (legítimo), de uma casa verdadeira. São verdadeiros na medida em que suas formas próprias constituem as coisas e a inteligência do seu autor. A verdade na inteligência que estamos tratando, será, também, uma igualdade de “formas”. Conformidade da natureza concreta da coisa, como no primeiro caso, com, desta vez, toda a inteligência que a conhece.

Porém, o conceito é algo que não tem que estar, necessariamente, adequado ao real. Ou seja, ainda que exista, no ser humano, a capacidade de visualizar este conceito, mesmo que ele corresponda ao real, o conceito só será verdadeiro na medida em que a inteligência se adeque, conforme-se, com a coisa real. Assim, o conceito estaria plenamente verdadeiro quando é possível identificá-lo na realidade.

Ainda que o intelecto humano reconheça, através de vários conceitos, o que venha a ser uma caixa, a adequação do intelecto à verdade apenas acontecerá quando houver um encontro entre o sujeito e a caixa e, por sua vez,  uma identificação do conceito com a coisa real. Quando surgir a afirmação é uma caixa, haverá, então, a verdade no intelecto conformada ao real. Por conseguinte, se tem a necessidade de se definir onde, exatamente, tal verdade, em qual faculdade, ela residiria. 

Aquino parte da evidência essencial de que as coisas existem por si; tudo aquilo que é, é em ato.  Dai que, é impossível que possam coexistir duas coisas contraditórias; a realidade e a inteligibilidade correspondem-se, mas uma coisa deve primeiro ser, para ser inteligível.
 
Os sentidos sensoriais servem como porta de entrada para que os objetos tenham em contato com a consciência para o reconhecimento da realidade e, por consequência, abrir-se ao conhecimento; ou seja, transmitem ao intelecto as informações contidas no mundo através da sensibilidade. 

Por aqui, percebe-se, ainda que se tenha certo conhecimento advindo através dos sentidos, não quer dizer, contudo, que a verdade lógica resida nela, pois é somente uma afetação da sensibilidade.
A sensação é verdadeira, é sobretudo sobre o modelo da verdade ontológica. A verdade pode estar nos sentidos (no conhecimento sensível) como numa coisa verdadeira.  Apesar de toda a capacidade de apreensão do real, proporcionados pelos sentidos, esta faculdade sensitiva não parece satisfazer o intelecto humano, por isso diz Aquino; 

“a perfeição do intelecto é a verdade enquanto conhecida” (AQUINO, S.T., I, q. 16, a. 2). 

Isso indica que o intelecto só estará plenamente realizado quando conhecer a coisa. Desse modo, não bastaria associar as propriedades que tais coisas possuem, é preciso que o intelecto descubra a natureza mesma do objeto conhecido. Uma vez que a natureza de uma coisa ultrapassa suas propriedades físicas, é a uma potência material que ele voltará a aderir, isto é, à inteligência. E, de fato, o primeiro contato da inteligência com o real sensível consiste em abstrair a natureza. Essa primeira operação do espírito chama-se (a simples apreensão). Tem por função,  descobrir o que é a coisa, ler sua quididade. Por abstração, forma o conceito da coisa.

Destarte, coisa não é adquirida pela inteligência em sua matéria, mas em sua forma, dai que é justamente essa forma que a pessoa humana busca quando está tentando conhecer algo. Aquilo que a coisa é indicaria a sua propriedade específica, ou seja, a sua própria função. A faculdade que consegue distinguir essas diferenças é justamente o intelecto, que abstrai, da matéria, as formas das coisas. E, através dessa abstração, é que ocorreria a adequação à verdade. Viu-se que a verdade, presente no intelecto que conhece, busca adequar-se à coisa conhecida. E certamente sabe-se que dois são os termos que são comunicados no conceito de verdade: a inteligência e o real, no qual para Santo Tomás é o próprio ser).

É preciso considerar,  se há uma predominância da inteligência sobre a realidade, ou, do modo contrário, a realidade existe para que se possa conhecê-la, eis a questão. Por isso, é importante para considerar o modo como se percebe o mundo, de um lado, se o verdadeiro é anterior ao ser, tende-se que assumir ao pensamento precedente a existência das coisas, Diz Aquino.

 “A verdade, em resumo, cessa de ser relativa ao ser, para estar ligada à única luz interior do espírito, pensando-se este a si próprio”

É preciso considerar que, para o Aquino, o ser era, ao modo de Aristóteles, um ser em si e que equivale à noção de substância, ou seja, o ser é a substância da coisa. 
Assim como agora e sempre, o que constitui o eterno objeto da pesquisa e o eterno problema que é o ser torna-se equivalente  a isso; “Que é a substância” ; por isso também nós, fundamentalmente e unicamente, por assim dizer, devemos examinar o que é o ser entendido nesse sentido.

Essa substância, deve ser entendida, de modo mais correto , ou seja, como a essência das coisas. Daí que, a  substância é aquilo que existe de mais íntimo na realidade; e Tomás adota essa postura ao coloca o ser como fundamento da existência e, por conseguinte, demonstra que, a partir da inteligência, pode-se chegar ao conhecimento da verdade que reside nas coisas. 

Por outro lado, a verdade é uma relação do intelecto com a coisa e o conhecimento envolve abstração e posterior conformidade da coisa com aquilo que existe de modo universal no intelecto, logo, o papel do intelecto pela busca da verdade é  um pouco mais ativo já que é ele quem capta não somente a essência do ente quanto julga aquilo que o ente é a partir dessa mesma essência abstraída. 

O doutor Angélico,  entende que o ser é conversível com a verdade, posto que ela mesma se apresenta nas coisas. 

“Como o bem tem a natureza de apetecível, assim a verdade se ordena ao conhecimento. Ora cada ser é cognoscível na medida em que é" ou; 

"a verdade existente nas coisas convertese substancialmente com o ser” (AQUINO, S.T., I, q. 16, a. 3). 

Da verdade, atribuída ao ser, se diz que esta se apresenta de modo análogo,  para com  uma  inteligência. Isso significa  que aquilo que é análogo o é tão somente por ser conhecido por uma inteligência e é por isso recebe o nome de verdadeiro. Deste modo, a verdade ontológica é idêntica ao ser em sua substância. Sempre se pode dizer, portanto, que aquilo que é, é verdadeiro. Na verdade lógica, a verdade é conversível com o ser, daí diz Aquino; 

“como o que é manifestativo com o manifestado” (AQUINO, S.T., I, q. 16, a. 3).

Por sua vez, na inteligência, o ser proclama a sua verdade, o ser se manifesta no sujeito cognoscente existindo em sua plenitude, mostrando-se a natureza do objeto. A lição é simples, é a da primazia do real. O mundo que me envolve existe realmente, independentemente do sujeito consciente.  E entrega-se ao meu conhecimento precisamente porque existe.  A verdade é o real enquanto conhecido exatamente. Esse Real que não esperou ser conhecido para existir, daí a toda conformidade da ontológia existencial de Aquinate. 

Portanto, percebe-se que, apesar da verdade residir primeiramente na inteligência e depois nas coisas, não se quer indicar, que o ser não possa ser considerado como conversível com a verdade, ou em correspondência.  O ser existiria, dessa maneira,  e se apresentará de forma totalmente independente do sujeito pensante. Daí a máxima escolástica; 

"est adaequatio rei et intelecto."



Referências; 

Suma de Teologia, Primeira Parte, Questões 84-89. 

AQUINO, Tomás. Súmula contra os gentios. 

De veritati, Da Verdade; Santo Tomás de Aquino. 

Ente e Essência; Santo Tomás de Aquino. 

S. Tomás de Aquino COMENTÁRIO AO DE INTERPRETATIONE DE ARISTÓTELES.

H. D. Gardeil, iniciação a filosofia de Tomás de Aquino.

De Anima, Santo Tomás de Aquino.