O princípio de individuação entre doutor Angélico e o doutor Sutil, é um debate intra escolástico importante, vai aqui algumas nuances sobre o tema. tal debate esta conceituado em uma fase importante sobre os universais, o ponto crucial pra teologia Católica.  

Para Escoto, o universal extra-mental constitui a natureza comum do mundo (natura communis), em correlação,  há também um princípio de individuação, nomeado ecceidade (haecceitas). A natureza comum, denomina-se assim porque ela é indiferente à sua existência simultaneamente em qualquer número de indivíduos. Entretanto, possui existência extra-mental somente em coisas particulares nas quais existe, e nelas isto está sempre contraído pelo principio de ecceidade. 

Então a natureza comum chamada “humanidade” existe tanto em Renzo quanto João,  embora em Renzo ela é tornada individual pela ecceidade “renzista" e em João pela ecceidade Joanina.  A humanidade-de-Renzo é individual e não repetível, assim como a humanidade-de-João, dessa forma , ainda que a humanidade seja comum e repetível, e seja ontologicamente anterior a qualquer exemplificação particular disto. Podemos nos aventurar a dizer com base na totalidade do gênero humano que constitui o aspecto humano da natureza comum. Como fica claro, o indivíduo é constituído da contração da natureza específica por meio da diferença individual, desse modo a natureza específica fornece aquilo que é próprio à espécie, e a diferença individual fornece o elemento de exclusividade a cada indivíduo. A natureza específica  humana, por exemplo, condiciona ao indivíduo humano o que é comungado com os outros indivíduos da espécie humana. Já a diferença individual o caracteriza como único no mundo. Dessa maneira , não há indivíduos iguais no mundo, pois a diferença individual fornece aquilo que é exclusivo e particular a cada um deles. Fica claro que a distinção é formal e qualitativa entre os entes possíveis. 

Ainda que o indivíduo seja constituído dessa contração da natureza específica por meio da diferença individual, o mesmo é possuidor de unidade por si. Duns Scotus apresenta algumas maneiras de haver unidade, são elas; 

A) a unidade entre coisas que são distintas, porém não encontram-se distintas na realidade, por exemplo, matéria e forma ou corpo e alma. 

B) a unidade entre coisas que são distintas segundo suas razões formais, sendo que uma razão formal inteira inclui a outra razão por meio da identidade, embora não formalmente, por exemplo, a unidade entre o indivíduo e a natureza específica ou entre o indivíduo e a diferença individual.

C) O indivíduo é uma composição de duas formalidades distintas que o determinam, a unidade do indivíduo é possibilitada porque a natureza específica e a diferença individual são duas entidades formais. a natureza específica como a diferença individual não são dois entes distintos, já que não existe diferenciação numérica entre ambas, mas são entidades formais que indicam aspectos reais do mesmo ente. Dessa forma, a diferença máxima do indivíduo é real, concreta, extra mental, essa é a diferença individual, já a diferença de natureza específica está no intelecto como a unidade predicativa dois entes singulares em composição lógica e universal em espécie.

Em Tomás, a matéria é compreendida enquanto sujeito de determinações, ou seja, a matéria, enquanto princípio do substare, possibilita a efetividade dos acidentes, como também,  a matéria, relacionada com a quantidade, é princípio de individuação. A forma, por sua vez, é o princípio do subsistire. Ser por si é a propriedade que o indivíduo, em virtude da forma, passa a ter na existência. Através da forma os entes situam-se numa espécie e, no caso dos entes físicos, pela forma, os indivíduos participam de uma natureza comum. Desse modo a forma é  princípio de especificação e a matéria como princípio de individuação.  A matéria é princípio de individuação numérica, como também, assinala o que cabe à forma, nesse processo, e que elementos outros estão envolvidos no processo de individuação. Contudo, cabe lembrar que existe duas matérias trabalhadas, a matéria comum a todos entes hilemorficos e a matéria Signata individual. Por isso a matéria comum é a parte específica das coisas naturais, não a matéria signata, que é o princípio de individuação. A matéria comum é um dos princípios que está presente na definição nos entes naturais, pois é ela, juntamente com a forma, que participa do processo de especificação, que, por sua vez, não deixa de ser uma certa individuação à medida que, a partir da forma, os entes se situam numa espécie específica e não noutra.

A individuação, no sentido de determinação da coisa individual, se dá através daquilo que Tomás denomina materia signata. Ele afirma que não é essa matéria que está presente na definição de homem. Com efeito, o homem, considerado a partir da natureza comum, isto é, de sua essência ou Quididade, dai é definido considerando a forma e a matéria comum. Por outro lado, esse homem, de carne e ossos, que sinalizam para nós a substância particular, possui em sua constituição a materia signata, ou seja, é em virtude da materia signata que a substância particular pode ser considerada “esse” indivíduo, cuja inserção numa definição não seria possível, em virtude da incomunicabilidade do ser individual.

Na noção de materia signata deve-se ter em vista a relação que a matéria mantém com a categoria de quantidade. A matéria comum participa do processo de classificação da substância numa espécie. Já a materia signata, ao relacionar-se com a categoria de quantidade, proporciona ao ser sensível a divisão e a distinção numérica. A matéria que é princípio de individuação dos seres físicos não é a matéria enquanto correlativa com a forma e que entra na definição de essência, mas é a matéria dimensionada pela quantidade, materia signata quantitate. Por matéria signata entendemos aquela que é considerada sob certas dimensões. Esta matéria signata não integra a definição de homem enquanto homem, mas integraria a definição de João, se este possuísse definição. Na definição de homem se trata da matéria não signata, visto que na definição de homem não se costuma colocar este osso e esta carne concretos, mas pura e simplesmente o osso e a carne, os quais constituem a matéria não signata do homem, essa distinção material é física, Corpórea, distingue no espaço e no tempo, e nos acidentes de cada matéria Signata. 

Tomás de Aquino não promove uma identificação entre a noção de pessoa e a de indivíduo. Com efeito, ao trabalhar a noção de indivíduo, vimos que ela não se refere aos seres individuais enquanto tais, mas às condições que proporcionam a um ente ser dito indivíduo. É o que Tomás denomina de intenção lógica. Para Tomás, conforme já vimos, embora não se possa definir tal ou tal singular, entretanto é possível definir o que constitui a razão comum de singularidade.  A noção de indivíduo e a de pessoa diferem, pois, pelos níveis de discurso a que cada noção se refere.

A expressão (pessoa) aplica-se a uma substância primeira, apresentando um dos seus aspectos reais, ao passo que (indivíduo) designa um conceito lógico formado para expressar que a substância primeira é, se comparada com o gênero e a espécie, um particular incomunicável e distinto dos demais. Diferente da noção de indivíduo, que não quer significar a singularidade de uma substância particular determinada, a noção de pessoa refere-se diretamente a um tipo de substância particular. Essa substância particular é chamada hipóstase ou substância primeira. 

A substância primeira é o próprio sujeito, o que não se diz de outro, o particular no gênero da substância. A substância primeira é, pois, sujeito do ato indivisível, necessariamente individual, pois esta já não seria a mesma, caso fosse divisível. É a essa substância que Tomás chama de hipóstase. Ele acrescenta também a  importância de se colocar o termo individual para ter-se certeza de que sempre se está falando da substância primeira e não da substância segunda, enquanto esta significa “a forma ou natureza do sujeito”. Para as substâncias individuais de natureza racional, Tomás dá-lhes um nome especial, ( pessoa). O particular e o indivíduo realizam-se de maneira ainda mais especial e perfeita nas substâncias racionais que têm o domínio de seus atos e não são apenas movidas na ação como outras, mas agem per se. Ora, as ações estão nos singulares, por isso, entre as substâncias os indivíduos de natureza racional têm o nome de pessoa. E dai que , na definição acima, diz-se: a substância individual, para significar o singular no gênero da substância,  acrescenta-se “ natureza racional”, para significar o singular nas substâncias racionais. Para Tomás, a pessoa é uma hipóstase, mais precisamente uma substância individual de natureza racional.

Em virtude da natureza racional, que proporciona à substância intelectual a liberdade da ação, o agir por si, a partir de uma determinação imanente, a pessoa goza de superioridade entre todos os entes. O agir per se, isto é, a liberdade está fundada na natureza racional. entretanto, a pessoa em Tomás possui, a partir da natureza racional, o conhecimento e a liberdade. Tomás, no (De Unitate Intellectus), postula duas teses na nossa questão central, a que o intelecto ou a alma intelectiva fundamenta o pensar e o querer da pessoa; em outras palavras, o intelecto, enquanto potência da alma numericamente dividida entre os homens, garante o conhecimento e a liberdade, preservando a singularidade da pessoa.

 É importante acrescentar que não podemos prescindir do pensamento que Tomás desenvolve em torno da noção de indivíduo, do princípio de individuação das substâncias sensíveis, pois não haveria sentido  falar na noção de pessoa sem considerar primeiramente esta noção. A noção de pessoa encontra-se ainda profundamente relacionada com a unidade do homem e com seus princípios constitutivos. Ora, a alma sozinha, separada, não pode ser chamada pessoa de modo apropriado. Deve-se dizer que a alma é parte da espécie humana. Assim pelo fato de guardar, embora estando separada, a aptidão natural para a união, não se pode denomina-la de substância individual, que é a hipóstase ou substância primeira, eis porque nem a definição nem o nome de pessoa lhe convém.

Portanto, vemos que a noção de pessoa em Santo Tomás inclui necessariamente o corpo, ou seja, pessoa só é dita apropriadamente a partir do Hilemorfismo. Desse modo, essa posição reforça a própria unidade do homem em oposição a um dualismo que pensa corpo e alma como princípios constitutivos do homem, porém, como independentes e, às vezes, até opostos um ao outro, Mas, e interessante como a noção de pessoa, em Tomás de Aquino, embora não significando o mesmo que indivíduo, leva-nos a aprofundar ainda mais o ser individual do homem. fica claro que a alma é individuada pela matéria signata e, não sendo dessa forma, não se pode pensar em individuação, no caso do homen. 

É em virtude dessa razão comum que se pode falar ulteriormente da noção de pessoa. Entretanto, a noção de pessoa sinaliza para nós o mais individual dentro do próprio gênero humano e dentro dos próprios indivíduos já individuados pela matéria signata. 

Dessa maneira, a mais individual e mais perfeito nos é dado pela natureza racional dessa substância individual. Da natureza racional do homem percebemos a ação das potências espirituais: a inteligência e a vontade. E pois, a partir das potências espirituais que o homem, ao ser colocado na existência já individuada pela matéria signata, se expressa de modo ainda mais individual. por fim, a noção de pessoa expressa, de modo mais incisivo, o ser individual desse homem, pois, para isso, não basta apenas uma divisão numérica. 



Referencias;

John Duns Scotus: Introduction to His Fundamental Positions (Illuminating Modernity). Étienne Gilson.

Juan Duns Escoto; Tratado do primeiro principio

Juan Duns Escoto. Introducción a sus posiciones fundamentales; Étienne Gilson.

A Filosofia de John Duns Scotus; Antonie Vos.

COMENTÁRIO AO DE INTERPRETATIONE DE ARISTÓTELES, Santo Tomás de Aquino; https://www.pdfdrive.com/condensado-do-coment%C3%81rio-de-s-tom%C3%81s-de-aquino-ao-de-interpretatione-de-e138431434.html

H. D. Gardeil  INICIAÇÃO À FILOSOFIA DE S. TOMÁS DE AQUINO; 

Dicionário de Filosofia e Ciências Culturais; Mário Ferreira dos Santos; 

S. Tomás de Aquino COMENTÁRIO AO DE ANIMA DE ARISTÓTELES; https://www.pdfdrive.com/condensado-do-coment%C3%81rio-ao-de-anima-de-arist%C3%93teles-escrito-por-s%C3%83o-tom%C3%81s-e60281779.html

Ser e Essência, Étienne Gilson; https://b-ok.lat/book/5662912/35cb7b

S. Tomás de Aquino COMENTÁRIO À METAFÍSICA DE ARISTÓTELES; https://www.pdfdrive.com/metaf%C3%ADsica-e60281767.html

Suma Teológica, Santo Tomás de Aquino; https://www.pdfdrive.com/suma-teol%C3%B3gica-e181718650.html