Como entender a nova esquerda? Pretendo aqui, nesse breve artigo em descrições sucintas demonstrar algumas características desse movimento, alguns fundamentos e sua problemática a todo pensamento tradicional, desse modo, alguns  pensadores são a chave para compreender esse circunstancial e diretrizes políticas dessa turma, sem mais delongas, vamos ao conteúdo. Sabemos que todo movimento intelectual se define por suas premissas filosóficas fundamentais. Tais premissas estabelecem o que se considera real, o que é ser humano, o que tem valor e como se adquire conhecimento. Ou seja, todo movimento intelectual possuí uma dimensão  metafísica, uma concepção da natureza e dos valores humanos, uma epistemologia.

Do ponto de vista metafísico, a New left  é antirrealista, pois afirma que é impossível abordar ou falar de alguma maneira que faça sentido, sobre uma realidade com existência independente; ao contrário, ela propõe uma descrição construcionista e sociolinguística da realidade.  Desse modo, por via  epistemológica, ao rejeitar a noção de uma realidade com existência independente, o nega-se a razão ou qualquer outro método como meio de adquirir conhecimento objetivo dessa realidade, ela propõe,  substituir essa realidade por construtos sociolinguísticos, tal movimento  enfatiza a subjetividade, a convencionalidade e a incomensurabilidade dessas construções.

Na perspectiva de Herbert Marcuse, um dos pais da new left, o progresso tecnológico gerou as premissas para a libertação da sociedade em relação a obrigação do trabalho, pela ampliação do tempo livre, pela mudança da relação entre tempo livre e tempo absorvido pelo trabalho socialmente necessário de modo que este se torne apenas meio para a libertação de potencialidades nele reprimidas.  Dessa maneira, expandindo-se sempre mais, o reino da liberdade condiciona-se verdadeiramente como o reino do jogo, do livre jogo das faculdades individuais. Assim libertadas, elas geram formas novas de realização e de descoberta pra uma nova realidade que, por sua vez, dariam  nova forma ao reino da necessidade e a luta pela existência. 

Por isso, é o reino da necessidade centrado no principio do desempenho e da eficiência, que suga toda a energia humana seria  então substituído por uma sociedade não repressiva, que reconcilia natureza e civilização, na qual se afirma a felicidade do Eros libertado. 

Nesse ínterim, Marcuse descreve sobre (O homem de uma dimensão) esse é o homem que vive em uma sociedade de uma dimensão, uma  sociedade justificada e coberta pela ideologia  de uma dimensão. Segundo ele,  a sociedade de uma dimensão é  a sociedade sem oposição, a sociedade que paralisou a critica através da criação  de um controle total. A ideologia de uma dimensão  é geradora da racionalidade tecnológica e da lógica do domínio, é pois a  negação do pensamento critico, da lógica do protesto é a filosofia do puro positivo ou da positividade que justifica a racionalidade tecnológica. 

Na sociedade tecnológica avançada, a máquina produtiva tende a se tornar totalitária enquanto determina as ocupações, as habilidades e os comportamentos socialmente requeridos, mas também as necessidades e as aspirações particulares. E, como universo tecno-Mágico , a sociedade industrial avançada e um universo politico, o ultimo estágio da realização de um projeto histórico especifico, a experiência, a transformação e a organização da natureza como mero objeto de domínio.

Desse modo, ela alcança a mais alta produtividade e a utiliza para perpetuar o trabalho e o esforço;  nessa industrialização eficiente pode servir para limitar e manipular as necessidades. Escreve Marcuse: 

" Quando se alcança esse ponto, a dominação, sob a forma de opulência e liberdade, estende-se a todas as esferas da vida privada e pública, integra toda oposição genuína e absorve em si toda alternativa". 

Porém, a sociedade tecnológica avançada cria um verdadeiro universo totalitário; em uma sociedade amadurecida, mente e corpo são mantidos em um estado de mobilização permanente para a defesa desse mesmo universo. Segundo Marcuse; 

 "As tendências totalitárias da sociedade unidimensional tornam ineficazes os caminhos e meios tradicionais de protesto". 

Entretanto, Marcuse observa uma pequena Nuance, a situação pra ele não se apresenta como desesperadora, pois, abaixo da base de uma totalidade sócial conservadora,  existe a camada dos marginalizados e dos estrangeiros, dos explorados e perseguidos de outras raças e de outras cores, dos desempregados e dos deficientes. 

Desse modo, eles ficam fora do processo democrático, sua presença, mais do que nunca, prova quanto é imediata e real a necessidade de por fim a condições e instituições intoleráveis. Dai por que sua oposição é revolucionária, ainda que sua consciência não o seja. 

Sua característica e circunstância de  oposição,  golpeia o sistema de fora dele e, por isso, não é desviada pelo sistema, dessa maneira age como  uma força elementar  que infringe as regras do jogo. Quando eles se reúnem e andam pelos caminhos, sem armas e sem proteção, para reivindicar os mais elementares direitos civis, sabem que têm de enfrentar , pedras e bombas, prisões, campos de concentração e até  a morticínio.  O fato de que eles começam a se recusar a tomar parte no jogo pode ser o fato que marca o inicio do fim de um período.

Em (Eros e civilização),  remetendo-se a Freud, Marcuse desenvolve  um dos temas mais importantes da teoria freudiana de que a civilização baseia-se na repressão  permanente dos instintos humanos. Como escrevia Freud, "a felicidade não é um valor cultural". Além do mais,  comenta Marcuse  isso no sentido de que "a felicidade esta subordinada a um trabalho que ocupa toda a jornada, é  disciplina da reprodução monogâmica, ao sistema constituído das leis e da ordem.  O sacrifício metódico da libido e seu desvio imposto inexorávelmente, para atividades e expressões socialmente uteis, a cultura.

Por outro lado,  a história do homem é a historia  de sua repressão, a cultura ou civilização  impede construções sociais e biológicas ao individuo, mas essas construções são a condição preliminares do progresso. Deixados livres para seguir seus objetivos naturais, os instintos fundamentais do homem são  incompatíveis com toda forma duradoura de associação: os  instintos, devem ser desviados de sua meta, e inibido em seu objetivo. 

“A civilização  começa quando se renuncia eficazmente ao objetivo a satisfação integral das necessidades.”

 A essa mudança como a transformação do principio do prazer em principio de realidade, e as vicissitudes dos instintos são  as vicissitudes da estrutura psíquica na civilização. É com a instituição do principio de realidade, o ser humano, sob o principio do prazer, fora pouco mais do que mistura de tendências animais, tornou-se eu organizado.

Precisamente contra essa eternização  e esse Absolutizar do contraste entre o principio do prazer e o principio de realidade é que se voltam os golpes críticos de Marcuse, no sentido de que, em sua opinião, esse contraste não é cristalizado ou eterno, devido a certa misteriosa natureza humana considerada em termos essencialistas. Tal contraste é  muito mais produto de uma organização histórico-social especifica, pra ele, Freud mostrou que a falta de liberdade e a construção  foram o preço pago por aquilo que se fez, pela "civilização" que se construiu. 

Outro importante filósofo e teórico social da New left foi o francês Michel Foucault, trás ele em uma série de discussões o conceito de  biopolítica.  O conceito de biopolítica de Foucault é amplamente derivado de sua própria perspectiva de biopoder , pra ele é  a extensão do poder do estado sobre os corpos físicos e políticos de uma população. 

A tal  biopolítica é como uma nova tecnologia de poder que existe em um nível diferente, em uma escala extensiva e que tem uma área de atuação diferente,  faz uso de instrumentos muito diferentes. Mais do que um mecanismo disciplinar, a biopolítica caracteriza-se por atuar como um aparato de controle exercido sobre uma população como uma totalidade.

O biopoder é uma tecnologia de poder para gerenciar humanos em grandes grupos; a qualidade distintiva dessa tecnologia política  permite o controle de populações inteiras. Refere-se ao controle dos corpos humanos por meio de uma “anátomo-político" do corpo humano e da biopolítica da população por meio de instituições disciplinares sociais . 

O poder moderno, segundo a análise de Foucault, passa a ser codificado nas práticas sociais, bem como no comportamento humano, à medida que o sujeito humano gradualmente  a regulamentações e expectativas sutis da ordem social. É uma característica integral e essencial para o funcionamento sócial e possibilita o surgimento do - moderno estado-nação, da sociedade de consumo, o capitalismo no geral. Biopoder é literalmente ter poder sobre os corpos; nas palavras do francês é  “uma explosão de numerosas e diversas técnicas para conseguir a subjugação de corpos e o controle de populações”.

No entanto, Foucault argumenta que o exercício do poder a serviço da maximização da vida carrega um lado obscuro. Dessa forma,  o Estado investe na proteção da vida da população, quando o que está em jogo é a própria existência de si, tudo se justifica. Grupos identificados como uma ameaça à existência da vida da nação ou da humanidade podem ser erradicados ou exterminados impunemente . 

É pois dai que, um conceito muito utilizado pela new left surge a tona, o conceito de  “Necropolítica”  extraído da Biopolitica de Foucault, ela se caracteriza pelo uso do poder social e político para ditar como algumas pessoas podem viver e como outras devem morrer. 

O sociólogo e militante Negrista Achille mbembo um dos  primeiros estudioso a explorar o termo em profundidade considera a necropolítica como  uma extensão do biopoder.  Desse modo, a criação e manutenção de instituições que priorizam determinadas populações como mais valiosas é, segundo Foucault, como o controle populacional foi normalizado.  A necropolítica de Mbembe reconhece que a morte patrocinada pelo estado contemporâneo afirmando que sob as condições de necropoder, as linhas entre resistência e suicídio, sacrifício e redenção, martírio e liberdade são sujas..

Mbembe comenta que a necropolítica é mais do que um direito de matar, mas também o direito de expor outras pessoas, incluindo os próprios cidadãos de um país à morte.  Sua visão da necropolítica também incluía o direito de impor a morte social ou civil , o direito de escravizar outras pessoas e outras formas de violência política . 

A característica da necropolítica é ser ela uma teoria dos mortos-vivos, ou seja, uma maneira de analisar como  formas contemporâneas de subjugação da vida ao poder da morte, força alguns corpos a permanecerem em diferentes estados de localização entre a vida e o falecer.  Mbembe cita alguns  exemplos da escravidão, do apartheid, do neocolonialismo  para indicar omo diferentes formas de necropoder sobre o corpo estatista, racializado, estado de exceção, urgência, martírio, reduziu as pessoas a condições precárias de vida. 

Para ele, a  soberania , de que os vivos são caracterizados por "homens e mulheres livres e iguais", informa como ele expande a definição de necropolítica para incluir não apenas indivíduos que vivenciam a morte, mas também vivenciam a morte social ou política.  

Um indivíduo incapaz de estabelecer suas próprias limitações devido à interferência social ou política é então considerado, por Mbembe, como não estar verdadeiramente vivo, uma vez que não é mais soberano sobre seu próprio corpo.  A capacidade de um estado de subjugar as populações de tal forma que elas não tenham a liberdade de autonomia é um exemplo de necropolítica.

Outro sociólogo muito lembrado nesse meio é Frédéric Le Marcis, que discute como o sistema carcerário  contemporâneo atua como exemplo de necropolítica.  Referindo-se ao conceito de morte em vida como estagnação,  Le Marcis detalha a vida na prisão como uma criação de morte patrocinada pelo estado; alguns exemplos que ele fornece incluem desnutrição por meio da recusa em alimentar os presos, a falta de cuidados de saúde adequados e a dispensa de certas ações violentas entre presidiários.

O racismo , discutido por Foucault como um componente integrante do biopoder, está presente na discussão de Le Marcis sobre o sistema prisional necropolítico, em especifico no que diz respeito às maneiras como o assassinato e o suicídio são frequentemente esquecidos entre os presos.  

Portanto , procurei abordar pontos específicos desse movimento, ainda que em um âmbito estritamente teórico, fica claro que a New left tem uma estratégia de intervenção na realidade muito articulada sem dúvida alguma. 



Referências bibliográficas:

A Escola de Frankfurt: história, desenvolvimento teórico, significado político; Rolf Wiggershaus

Eros e Civilização: Uma Interpretação Filosófica do Pensamento de Freud; Herbert Marcuse

Herbert Marcuse e a biopolítica

O Homem Unidimensional: A Ideologia da Sociedade Industrial

Michel Foucault Society Must Be Defended: Lectures at the College de France, 1975-76

Achille Mbembe, Critica da Razão Negra

Achille Mbembe, Necropolitica

Michel Foucault The Birth of Biopolitics: Lectures at the College de France, 1978-1979

Achille Mbembe On the Postcolony