Muito se diz por ai, Aquino seria um mero repetidor de Aristóteles ? bom, reitero nesse texto que não, para isso, trago uma pequena analise um tanto sucinta da ontologia Tomasica, sem mais delongas, vamos lá.
A substância (substantia) constitui um todo completo a formar uma unidade ontológica passível
de existir e ser definida. Entretanto, à substância, sendo passível de definição, Aquino descreve como essência (essentia). Dessa forma, a substância constitui uma unidade ontológica que se sucede por definição. Ainda que esta unidade ontológica, enquanto
passível de ser expressa num conceito, será chamada de essência, e
que esta essência ou (essentia) designa esta mesma unidade ontológica, ou seja,
será ela que enquanto expressa na definição, isso pode nos dizer o que é (quid est) a
substância. A essência, expressada no conceito, o (quid da coisa) será ela que nos irá fazer
conhecer o que uma coisa (res) é, o seu quid est. Enquanto, expressa numa definição, a essência deverá ser chamada quididade.
Por sua vez, à substância, possui uma unidade ontológica que a distingue de todas as demais coisas, ou seja,
que ela possui um ser distinto de todos os demais seres. A substância existe por si, porquanto tal unidade ontológica concede-lhe todas as
condições requeridas para que possa existir. E esta unidade ontológica lhe é
conferida, antes de tudo, pela sua essência. Fica claro aqui, É a essência que dá à substância as condições de requerimento para que ela
possa existir como tal substância. Não compete à essência, por seu modo, conceder à substância o ato de ser (actus essendi) pelo qual ela se torna um ente (ens), ou seja , um
ser que existe, que tem e exerce o ato de ser (actus essendi). Por exemplo; um homem concreto, uma substância
racional concretamente realizada, podemos compreender que tal substância é também
dotada de outras tantas determinações complementares que não são exigências intrínsecas daquela sua determinação primeira, no caso, sua
essência. Dai que, todo homem, por ser um animal racional, precisa
ter um corpo, e este corpo, por sua vez, precisa ter estrutura óssea, sangue, músculos, etc. Por
conseguinte, necessita ocupar um lugar no espaço e estar sujeito ao tempo.
Ora, são essas determinações complementares que designamos com o nome de (accidens). O sujeito de todas estas determinações
complementares que chamamos substância, é este sujeito que, na sua
integralidade, existe por si. Ainda que concretamente não consigamos distinguir uma
substância dos seus acidentes, devemos notar sempre que todos estes acidentes
existem na substância, mas não o contrário. Em outras palavras,
os acidentes pertencem à substância. Porém, não se trata de
pensar que os acidentes sejam como meros agregados da substância, ja que isso também comprometeria a unidade existencial, inerente a toda substância enquanto
tal. Os acidentes, não têm existência própria fora da substância. A única
forma dela existir é na substância e pela substância. Mas todos estes, quer
dizer, a substância e os seus acidentes, existem em virtude de um ato
único de existir, que será o ato de existir (actus existendi) da substância completa, ou seja, da sua essência e das suas determinações que a complementam. Será justamente este ato único de existir que da existência à
substância na sua inteireza, unicidade, completude digamos assim. Desta forma, não devemos entender este existir
por si da substância, como se ela tivesse em si a causa mesma da sua
existência propria. Destarte, o único ser que existe por si não tendo a causa da
sua existência, é Deus, que não é propriamente uma substância. Dai que quando Atribuido à substância este (existir por si) significa que ela possui os requisitos
necessários para existir, e que tudo o que nela há, existe por virtude de um ato único
de existir, do qual é responsável pela sua existência enquanto substância, ou seja, como uma unidade existencial, dai Diz Gilson;
“A substância não existe por si, no sentido de que não
tenha causa de sua existência: Deus, o único que existe sem causa, não é uma substância; ela existe
por si, no sentido de que o que ela é pertence-lhe em virtude de um ato único de existir, e se explica
imediatamente por este ato, razão suficiente de tudo o que ela é.”
Que não seja a matéria o ato pelo qual existe (quo est) a substância,
fica claro quando se tem presente que a matéria não tem existência alguma fora da
forma, da qual é matéria. A matéria está para a forma como a potência para o ato. A matéria existe, pela forma, na substância, uma unidade de
matéria e forma. Tanto que, fora da substância, a matéria não tem existência alguma. No entanto, uma vez que carece de existência própria, a matéria não pode ser causa da
substância, que possui uma existência própria. O próprio Aquino diz porque, o ser não é ato próprio da matéria, mas do
todo substancial.
O ser é ato do qual podemos
dizer que é. Dai que, o ser não se atribui à matéria, mas ao todo. onde não se poder afirmar que a matéria é, mas a substância "é que é aquilo que é." A forma, ocupa um lugar mais nobre do que a
matéria no composto substancial. É por ela, que a matéria passa a ser a matéria
de uma dada substância. Além disso, é pela forma que a própria substância passa
a ser o que é, uma unidade ontológica composta de matéria e forma e capaz
de possuir uma existência própria. A forma, ademais, que específica a
substância como uma determinada substância. É ela, que coloca a
substância numa espécie, e, por isso, que confere à substância uma "inteligibilidade" própria. De fato, a forma que dá uma essência específica à
substância, tornando-a, assim, suscetível de ser expressa num dado conceito, universal. No
entanto, visto que, uma coisa é explicar o porquê de algo ser o
que é, contudo, outra, é responder o porquê tal coisa existe, é um (ens). Assim, conclui Tomás:
“Logo, nos compostos de matéria e forma, nem a matéria, nem a forma podem ser
ditas o que é (quod est), nem ser (ipsum esse)”
Nem mesmo com relação às
formas subsistentes, pode-se dizer que o ato último pelo qual a substância passa a
ser um ente é a forma; a forma subsistente não é um não-ente, mas um ato que
é forma participante do último que é ser. Assim, na análise ontologica, o ato de ser ou (actus essendi) passa a ser o
ato primeiro e fundante do ente. Aqui se encontra o epicentro da doutrina tomásica. No entanto, o ser ou (esse) não indentifica-se com a substância que possui. Desta maneira, existe aqui uma ruptura com a “ontologia essencial” de Aristóteles que por sua vez, findou-se no acabamento da substância, para uma ontologia nova, transfigurada agora em “ontologia do existencial”. Essa “ontologia existencial” esta para
além da substância, aqui como um ato de ser (actus essendi) pelo qual ela existe, ou seja,
pelo qual ela se torna um ente, um sendo. Ademais, não é mais a forma que dá a última palavra sobre o ser, isto é, o ser
não consiste mais naquele elemento que faz com que a substância seja o que é e se
encontre numa determinada espécie. O ser, propriamente falando, deixa de designar
a forma da coisa ad extra (res). A forma passa a ser como um (quo est) secundário
da substância, que se subordina ao seu verdadeiro quo est primário ou predecessor, que é o (actus essendi).
Para além da forma, e precedendo-a, há um ato de ser
(actus essendi) que faz com que a substância, cuja essência compete à forma
determinar exista, seja um ente. Tomás diz que o
esse comporta-se como ato com relação à própria forma, que só passa a ser
princípio de ser para a substância, enquanto é atualizada pelo esse,
atualidade primária que torna a substância um ente: o ser está como ato para a forma (ipsam
etiam formam comparatur ipsum esse ut actus), por esse
motivo, nos compostos de matéria e forma, a forma é dita
princípio do ser (principium essendi), pois completa a
substância, cujo ato é o ser
(actus est ipsum esse). A substância um composto de matéria e forma, unidade ontológica e
existencial, não existe, nem em virtude da matéria, nem em virtude da
forma, nem mesmo em virtude do composto, senão que passa a ser um ente, por força de um ato de ser (actus essendi). A forma é o quo est
da substância, o ato de ser (actus essendi) é o quo est da própria forma. Por
conseguinte, é o esse, no primado absoluto, que faz com que a substância seja
um ente. No entanto, a forma pode ser dita pelo qual é (quo est) a coisa,
enquanto princípio do ser (principium essendi); porem, a (tota substantia) ou toda substancia diz-se é que o que é (quod est), e o
ser (ipsum esse) aquilo que faz a substância (substantia)
denominar-se ente (ens). Diz Aquino;
“Quando contemplada com relação à existência, a forma
cessa, efetivamente, de aparecer como a última determinação do real. Desde este segundo ponto
de vista, a forma substancial aparece como um quo est secundário, subordinado ao quo est primário
que é o ato mesmo de existir. Mais além da forma, que faz com que um ser seja tal ser, de tal espécie
determinada, é preciso pôr o esse ou ato de existir, que faz que a substância assim constituída seja
um ente.”
Para Tomás; o termo ser designa um ato. Um ato, o (Ser é uma atividade, ato). Este mesmo ser (esse), em ato, coloca a substância
num estado, o estado de ente, ou seja, num sendo. Alem disso, o esse como ato de ser, que é o que funda e sustenta a substância
no estado de ente, do próprio ente, que é propriamente um estado, o estado de
habens esse. O doutor Angélico nao quer “entificar” o esse, pois
Todas as
coisas, todos os entes são, antes de tudo, aqueles que exercem o ato de ser e
não o próprio ser (esse). Para ficar mais claro, precisa-se impor a distinção entre o ser (esse) e o ente (ens), como na diferença do ato de um estado.
Na concretude real toda essa unidade ontologica se encontra em uma unidade inviolável: o ser (esse), o ente (ens) e a essência (essentia) são
intrinsecamente unidos na unidade indivisa da substância. Dai que; “Todo ente
é e é algo: é homem, é boi, é Arvore. Nessa composição, se o responsável pelo é do
ente é o ato de ser, seu complemento necessário, a essência, corresponde ao ‘quê’
que o ente é. No entanto, o ente se coaduna como aquilo que exerce o ato de ser, a essência é a medida da recepção do ato de existir. Entretanto, substância é um ente pelo ato de ser (actus essendi), a essência é o que o ente é, e,
assim, por isso a essência é o que responde à pergunta, ‘O que é isto’?” Enfim, o ente, em nossa experiência, é sempre alguma coisa que existe, alguma
coisa que possui e exerce um ato de ser (actus essendi) delimitado pela sua
essência. O ser (esse), ente (ens) e essência são inseparáveis, indistinguíveis na nossa
experiência sensível, contando que permaneçam distintos. Quando se fala de ser, pode-se tratar do que é uma realidade
(sua essência), do ato de existir que a faz ser real (sua
existência), do ser que exerce esse ato e que se define como
sendo isto em vez daquilo (é o ens, o sendo). Tal Inseparabilidade
da essência e da existência, pois nada é concebível como
existente senão conforme uma essência. Dai que entra em ação a doutrina da distinção real tomista, “o
que é” um ser não pode identificar-se com o fato de ser, nem,
sobretudo com o ato pelo qual ele é. Na verdade, o próprio Tomás ao enunciar o ser (esse) como fundamento de todas as coisas e do próprio
conhecimento, diz;
“O ser é mais nobre
do que todas as coisas que o acompanham; porque, em sentido absoluto, é mais
nobre que o próprio conhecimento, se fosse possível conceber o conhecimento sem
o ser”.
No entanto, entra aqui a velha querela da Essência e existência, aqui cumpre-nos saber distingui-los, mas sem eliminá-los. É preciso compreender a diferença, sem suprimi-los ou ate confundi-los. já que isso pode resultar numa tentativa de
essencializar o ato de ser (actus essendi), como se a existência da coisa fosse,
então, a essência do esse.
A existência da
substância é um estado, ou seja, o fato de ela existir é o que a faz ou a torna um
ente, um sendo. E, o ente é o que é, e não o ato de ser
(actus essendi) pelo qual (quo est) a coisa (res) é e é o que é (quod est). Tal ente, é digamos assim como que o exercício do ato
de ser que ele possui, não sendo, entretanto, o próprio ato de ser
(actus essendi), haja visto que o ato de ser é um ato e não um estado, o estado de ente. Na verdade, esta confusão entre existência e existir, entre ser (esse) e ente,
procede do fato tão corriqueiro e inevitável para o sujeito que na nossa
experiência concreta não encontramos nada que seja um puro (actus
essendi), todavia tão somente algo que existe: "um homem existente". Nós só encontramos entes que exercem o ato de ser (actus
essendi), sem sê-lo por definição (per essentiam). Por isso mesmo, se tem a tendência a
identificar o ser ou (esse) com o tem e exerce, no caso , o ente. Por outro lado, como o quid est do ente nos é apreensível, enquanto confundimos o esse
com o ente, supomos que também o esse, tal como a quididade de um ente
qualquer, caiba a ser definido num conceito.
Assim, inclinamo-nos a
pensar o esse como sendo algo estático. No entanto, na verdade é que o esse não é como uma essência, nem sequer tem uma essência considerada em si mesmo. Ao
contrário, o esse, enquanto tal, é simplesmente um ato. De outro modo, que a existência de
uma coisa atesta que ela possui o esse de algum modo, mas tal estado de existente
não é o próprio ato de ser (actus essendi), contudo apenas a expressão evidente do "seu vigor e como que a manifestação da sua presença." Tal "esse"; o esse é o ato, da própria forma. Pois, seguindo este raciocínio, comentei também que o esse passa a ser o quo est primário da própria substância,
enquanto que a forma passa a ser apenas o quo est secundário da mesma
substância. Como é a forma que determina o ser da substância, e é o esse
que determina o ser da própria forma, a substância deve ao esse, em último termo,
o seu status de ente. Todavia, a forma pode ser dita pelo qual é (quo est) a coisa,
enquanto princípio do ser; no entanto, a substância toda é o que é (est
ipsum quod est), e o ser (ipsum esse) é aquilo que faz a
substância denominar-se ente. Por Fim, sendo o esse o que confere o ser a todas as coisas, é ele o que mais
propriamente se pode designar como ser: O ser é antes de tudo e qualquer coisa o existir. O ser define-se em função da existência. Por isso tal “ontologia
existencial” como a tomásica, o ser exerce e chega a designar realmente um ato, neste caso o ato
de ser ou existir ( actus existendi).
O esse é a atualidade de todo ato, pois sendo o
ato a própria perfeição de uma coisa, é do esse que procede toda perfeição; o ser ou (esse) é a atualização de qualquer forma
ou natureza, definição. Não se compreende a humanidade em
ato, a não ser enquanto as entendemos como existindo
(esse). como diz Gilson: “Ora, aquilo que é o mais formal (maxime formale omnium)
é o próprio ser (ipsum esse)”. Que o esse é um ato para si próprio,
corresponde a dizer que ele não é o ato de uma essência, mas sim o ato pelo qual a
essência, e toda a substância, inclusive a própria forma, passam a ser um ente. Dai que isso, em relação à forma e à própria substância como um todo, o esse não se
comporta como tendo delas recebido algo, senão, ao contrário, foi ele (o esse) que
lhes conferiu e confirma o estado de habens esse.
Por
conseguinte, o ser (esse) e a essência
Sendo o esse um ato para si mesmo, isto significa, finalmente, que ele é puro,
isto é, isento de toda ulterior determinação, ele simplesmente existe. Agora bem,
este existir puro, por mais nada determinado, é, ademais, infinito. Além mais,
enquanto puro ato e o ato é o que responde por toda perfeição, o esse, sendo
um ato ilimitado, é também uma perfeição infinda. Ele é o que é: unicamente ato de
existir. Único, de fato, pois nada pode ser concebido, enquanto existindo, que
exista fora dele, visto que, sendo ele o próprio existir, nada pode existir
independentemente dele, e nem ser o que ele não seja, de maneira eminente. É claro que, para um ato de existir (actus existendi) como este, nem se
colocaria o problema da distinção entre essência e existir (esse), pois, se assim
pudermos expressar-nos, no caso de tal ato puro de existir, a sua essência seria
precisamente existir (esse). Ele existiria em virtude de si mesmo, seria o seu próprio
existir. Porém, o único ipsum esse
subsistens. Por sua vez, se verdadeiramente existe, deverá ser de tal forma que a sua própria
essência (essentia) seja ato puro de existir (esse). Desta forma, se existir,
existirá por si mesmo (a se). No entanto, no nosso contato imediato com os objetos sensíveis as únicas, aliás, que
nos são imediatamente acessíveis, encontramos apenas atos de existir finitos e
limitados. Na nossa experiência mais concreta com o real, deparamo-nos somente
com “um animal que existe”, com “um homem existe”, ou com uma “árvore que
existe”. Todos estes seres compõem espécies que se distinguem umas das outras
pelo fato de cada uma ter uma essência própria.
E é justamente em relação à
existência destas substâncias que se coloca, de forma inalienável, o problema da
distinção, nelas, entre essência e ato de existir (actus existendi), já que, em
nenhuma delas, a essência se identifica com o ato de existir. A essência de uma árvore é ser uma árvore, de um animal, ser um animal, de
um homem, ser um homem. Assim sendo, a existência não pode entrar ou incluit em nenhuma
destas essências. Por conseguinte, o fato de elas existirem torna-se um problema e tanto para o metafísico, pois que não possuem em si a razão do seu existir. Pois bem, já foi dito que o ser (esse) é, antes de qualquer coisa, um ato,
uma ação ou uma atividade.
Aliás, o
ser não é uma atividade a mais que deriva da natureza de cada coisa. O ser no
sentido de ser-real, se sobrepõe e postula-se acima da série de características que compõem a quididade da coisa. Em outras palavras, a raiz da ação de todas as coisas, a causa
primeiríssima de toda atividade das criaturas não procede da natureza delas, pois o
ato de todas as ações é o existir (esse) que, precisamente, nenhuma delas possui
por essência "per essentiam". Daí que podemos pensar em um ente de razão como um dragão, enquanto conceito lógico imagético, mas não apreender sua existência real enquanto ente real e universal metafísico. Entretanto, nessa distinção real, legal seria concebê-la como uma distinção entre essência e ato de existir (actus
existendi). É o que descreve Gilson:
"Esse é também o alcance da distinção de essência e existência, que sem dúvida seria melhor chamar a distinção de essência e de existente "
Com efeito, o que fica estabelecido como certo é que um ente cuja essência
não seja ato de ser, não existe por direito próprio. Ora, é justamente
isto com que podemos nos deparar na nossa experiência sensível mais imediata.
Encontramo-nos, de fato, diante de entes cuja essência não é ato de ser (actus
essendi). Esses entes, inobstante existam, poderiam também não existir. Em
uma palavra, são entes contingentes, isto é, entes cuja essência não implica ou
inclui o ato de ser. Estes entes, por conseguinte, não têm em si a
razão suficiente da sua existência, a saber, o fato mesmo de serem entes. Dito isto,
teríamos que colocar em seguida a questão da existência de Deus, ser necessário
e Ipsum Esse Subsistens.
Como ficou claro, nem a matéria, nem a morphé (forma), tampouco, o dualismo substancial hilemorfico,
constitui, para Tomás, o núcleo mais íntimo do real. Antes, o pulsar primeiro da
realidade, o coração do real digamos assim, em Tomás, está no ato de existir (actus existendi) ,
ou seja, naquele ato de ser pelo qual a própria substância (ousía)
passa a ser um ente, um existente.
Para Aquino, nas substâncias sensíveis, há duas composições de potência (potentia) e ato (actus), a saber, a de matéria e forma, que constitui a (substantia), e a de substância e ser (esse), pela qual a
substância passa a ser um ente, ou seja, a existir: de outro modo, nas substâncias compostas de matéria e forma há
dupla composição de ato e potência: uma, é a da própria
substância, que se compõe de matéria e forma; outra, da
própria substância (que já é composta) e ser, composição que
também pode ser expressa o que é e ser, ou o que é e
pelo qual é este ser.
Enfim, fica aí estabelecido a primazia do esse. Isto significa, como diz Tomás,
que o ser (esse) é a atualidade de todas as coisas. Com este primado do ipsum esse, ultrapassamos o plano da essência, visto
que, acima de toda e qualquer forma (que é o quo est que determina o quod est da substância, a sua essência) encontra-se o ipsum esse, que é o ato da
própria forma, ou seja, o seu quo Est, diz Gilson;
"Decir que el existir se comporta como um acto, aun com
respecto a la forma – ad ipsam etiam formam comparatur esse
ut actus – es afirmar la primacia radical de la existencia sobre
la essencia."
Fica estabelecido, além disso, que o ato de ser (actus essendi) não é um
agregado à coisa; mas, ao contrário, ele é o que há de mais íntimo em algo, é o que por
primeiro deve denominar-se ser. E é por isso, aliás, como bem acentua que (o ato de ser é que é o ponto de partida), ou seja, partimos dele, exatamente
porque ele é “, o elemento mais fundamental de todos os entes.
O esse
é o que há de mais basilar na substância. Assim é, pois antes de possuir o ser
(esse), a própria essência, que é o quid est da substância, é um nada,
conforme afirma o próprio Aquino;
"Antes de possuir o ser (esse), a essência é um
puro nada".
Ademais, é o esse que determina a própria forma, que é aquilo que,
por seu lado, determina e dá unidade existencial à substância. O esse é o que
funda a mesma substância no que ela tem de mais íntimo, a saber, a sua unidade
existencial de matéria e forma, Diz Tomás;
“Ora, o ser (esse) é o que há de mais íntimo e de
mais profundo em todas as coisas, pois é o princípio formal de tudo o que nelas
existe”.
E concluiu; "O ato primeiro é o ser subsistente (esse subsistens) por si
mesmo. Por isso, todas as coisas recebem o último
complemento pela participação no ser (esse)."
Por isso, que o ser substancial de todas as coisas não é um
acidente, e sim a atualidade de todas as formas existentes,
seja elas dotadas ou não de matéria. Ainda neste sentido, o próprio Tomás que, sendo o esse o
que há de mais íntimo no ente, pode ser medido com a profundidade de tudo o mais que
houver no ente pela sua maior ou menor proximidade do esse. Tal Corolário
espontâneo de tudo quanto dissemos é que, para Tomás, não é esse que deriva de quididade, mas sim essentia/ quididade que deriva de esse. Com outras palavras ainda, não é
correto dizer que algo é (esse), por quanto é um ser (ens), mas, sim, que algo é um ser
(ens), porque é (esse).
O esse é o ato da própria forma. O esse passa a ser o quo est primário da própria substância, enquanto que a forma passa a ser o quo est secundário da mesma substância. Como é a forma que determina o ser da substância, e é o esse que determina o ser da própria forma, a substância deve ao esse, o seu status de ente, conforme deixa claro. Contudo, a forma pode ser dita pelo qual é (quo est) a coisa, enquanto princípio do ser; mas a substância toda é o que é (est ipsum quod est), e o ser (ipsum esse) é aquilo que faz a substância denominar-se ente. Assim, sendo o esse o que confere o ser a todas as coisas, é ele o que mais propriamente se pode designar como ser: em Tomás, o ser é antes de tudo o existir. O ser se define em função da existência. Por Isso, numa nessa "ontologia existencial”, como a tomásica, o ser passa a designar realmente um ato, ou melhor um ato de ser ou existir (actus essendi, actus existenti).
Por conseguinte, é necessário que toda coisa cujo ser
difere da sua natureza tenha sua existência de outra. Ora, tudo
aquilo que existe por outro pode ser reduzido àquilo que existe por si,
como à sua causa primeira, por esta razão é necessário que exista
uma determinada coisa que seja a causa do ser para todas as outras
coisas, pelo fato de ela ser puro ser; caso contrário, teríamos que ir até o
infinito, em termos de causalidade, já que toda coisa que não é puro
ser tem a causa de seu ser exterior ou a outro. É evidente, é patente também
que tem a existência do primeiro ser, que é exclusivamente ser: este
ser é a causa primeira, isto é, Deus.
Segue-se disso que, se todos os seres finitos possuem uma essência
separada de sua existência, já que a essência é um composto de forma e matéria, ambas (não-assinaladas), então eles não possuem, em si mesmos, como existir. Logo,
existem por outro (ab alio), cuja própria essência seja a própria existência, identificados.
“Ora, dizer que a palavra ser
designa a essência de Deus e que Deus é o único cuja essência essa palavra designa, é dizer que em
Deus a essência é idêntica à existência e que ele é o único em que essência e existência são idênticas posto que nas substâncias existência e essência são distintas. Dai que remetendo-se expressamente
ao texto do Êxodo, Tomás de Aquino declarará que, entre todos os nomes divinos, há um que é
eminentemente próprio de Deus, Qui est, justamente porque não significa nada além do próprio ser, pois Deus é simples;
Non enim significat formam aliquam, sed ipsum esse/ Só há um Deus e esse Deus é o ser; é o responsável pela produção da existência dos demais seres. Deus é o ser cuja
essência é existir; e, ao fazê-lo, é a causa da existência de tudo o mais. Porém, dizer
que Deus é o Ser, e que o ser é a existência (ipsum esse), implica também em dizer
que, para a "intuição" do homem, que não capta essa existência, mas somente as
existências singulares imediatas, o único modo de conhecer Deus é por seus efeitos, ou seja,
pelos entes singulares dados à sensibilidade.
Para o pensamento, porém, que conhece por conceitos, o único modo de
ter ciência de Deus é tomando como pura essência, ainda que o termo é
utilizado de modo inapropriado (por analogia), já que a essência diz o que a coisa é, ou
seja, estabelece a sua definição e Deus não pode ser definido: Ele está para além do
entendimento humano, conforme explica São Tomás, ao estabelecer, nos seres criados, a distinção real entre essência e existência.
Tomás parte da distinção crucial em sua análise metafísica, entre existir e existir de modo determinado. No primeiro nível é o da existência simpliciter (Ipsum esse). Porém, se
fala de uma "composição real" da essência e da existência nos seres finitos e
diz que a distinção entre essência e existência em Deus é somente uma distinção mental afirmação essa que implica nas coisas finitas a distinção não é
somente mental.
Ademais, fala habitualmente da existência como algo distinto da essência. Assim,
pois, não pode haver dúvida alguma de que Tomás afirmou uma distinção
objetiva entre a essência e a existência nas coisas finitas, quer dizer, uma distinção que não depende
simplesmente de nossa maneira de pensar as coisas e de nos referirmos a elas. Distinguiu o uso do
verbo "ser" nas proposições existenciais, por exemplo, "João existe", e seu uso em
proposições descritivas ou predicativas, "o homem é racional"; porém, a distinção entre a essência e a
existência não era certamente, uma distinção puramente lingüística, ou algo do tipo.
Ora, do fato de que algo tenha uma essência
determinada não pode se seguir que exista no mundo. Ser algo determinado, pelo contrário,
supõe, com anterioridade necessária, a existência. O núcleo da verdadeira questão da existência de um ser necessário, segundo Tomás, é derivado da correta compreensão da distinção metafísica entre existir
(simpliciter), existir por outro, e existir de modo determinado, ou seja, entre
existência (primeira e segunda) e essência.
Nesse âmbito epistemológico, Do ponto de vista metafísico, é preciso distinguir a existência
primeira da existência segunda, o que é apreensível pelos sentidos, a substância, é
primeira na ordem sensível, mas é segunda na ordem metafísica.
Embora seja
necessário partir daquilo que é mais conhecido a nós (a substância), é necessário
chegar àquilo que é mais conhecido em si mesmo, ou seja, a sua causa. E a causa da
existência segunda, diz Tomás, é a existência primeira (ipsum esse). Porém, este fato levanta uma questão fundamental: se a
existência não encontra seu fundamento na essência, na medida em que lhe é
ontologicamente anterior, segue-se, que o ser que existe inserido no tempo e no
espaço e é objeto de percepção sensorial, não o faz por direito próprio; já que não é
um ser necessário, mas contingente, porquanto pode, sem contradição, não-ser o que é. Logo, não sendo causa sui ou de si mesmo existe por outro.
Dai que é necessário colocar o problema
da causa da existência dos seres contingentes: a causa primeira, já que a substância
(ente) é a causa segunda de tudo o que existe. Sem o seu concurso, o intelecto corre o
risco de ser imobilizado por um regresso ao infinito. A cadeia causal deve ter um
início: uma causa primeira não-causada: isto é Deus. Se for possível provar a existência de
Deus, a via, por excelência, não pode ser estabelecida a priori, (provas dedutivas) pois o conhecimento
humano nesse quesito se da sempre a posteriori; ou seja vamos dos efeitos às suas causas. Na análise metafísica, a
substância segunda (o ente) é o ponto de partida do conhecimento: se o ente existe,
então é necessário buscar a sua causa, já que ele não existe por si mesmo.
A Ontologia de Tomás, embora sendo aristotélica em suas linhas
gerais, produz nela uma inovação fundamental, como já foi visto acima: a de separar a
existência primeira (ipsum esse) do ato ou forma (existência segunda). A existência primeira é o ser; a existência segunda tem o ser. Segundo a
doutrina de Aristóteles, tudo aquilo que está em ato, enquanto existe, o faz de modo
necessário. Tomás, por seu modo, rejeitou o argumento aristotélico, apresentando uma nova reflexão sobre a relação metafísica que ocorre entre a existência primeira
(Ipsum esse) e o ato (existência segunda).
A idéia central de Tomás, é a seguinte: a
Metafísica não pode partir da análise da substância porque ela não é eterna, tal como
pressupunha Aristóteles em sua Ontologia. Por sua vez, a substância, não existindo por si, existe por outro, o qual seja verdadeiramente a existência em seu sentido mais pleno. Esse
outro, cuja essência é existir, é Deus. A tese da prioridade ontológica da existência
sobre a substância (ente), do mesmo modo que a substância (existência segunda) tem
prioridade ontológica sobre a essência (que é o ser para o intelecto). Assim, a forma é o princípio que faz com que a substância seja o
que ela é (algo determinado), conceito lógico ou ente de razão.
Agora, A existência simpliciter (Ipsum esse), não é objeto dos sentidos. Nela, é de fato a forma
atual das coisas que pode ser considerada o princípio de tudo o que existe. Destarte, do ponto de vista metafísico, ou seja, dos princípios primeiros do ser, é a existência
simpliciter o fundamento de tudo o mais: da forma e da matéria, as quais, juntas,
compõem o dualismo hilemorfico (substância primeira), como assinala Gilson;
"O existir (ipsum esse) é o próprio ato, com
respeito à forma. Se dissermos que nos compostos de matéria e forma,
a forma é princípio de existência (principium essendi), é porque
completa a substância, cujo ato é existir (ipsum esse)".
De modo que a
forma não é princípio de existência, senão enquanto determina o
acabamento da substância, que é o que existe. Em nossa experiência humana a existência
[simpliciter] não existe; é sempre a existência de algo que existe. É sabido que um dos princípios da metafísica aristotélica supõe que tudo
aquilo que possui forma está, ipso facto, em ato, já que os entes ou estão em potência,
ou estão em ato; logo, (tertium non datur). Por isso, somente está em ato aquilo que
possui uma forma. Segue-se disso que toda forma, por definição, está em ato. Aquino introduz uma nova tese sobre o tema, ao fazer uma distinção
metafísica entre existência e forma. Segundo o doutor angélico, a existência independe da
forma, porque é possível pensar, sem contradição, objetos com forma, mas sem
existência. Logo, a forma é uma condição necessária, mas não-suficiente para trazer
algo à existência.
Esta é, a reforma metafísica operada por São Tomás: Por isso mostrar que o princípio primeiro da Ontologia não é a substância, mas a existência
simpliciter (Ipsum esse). No seu Compêndio de Teologia, São Tomás já havia
mostrado, pela análise da causa primeira, que Deus é absolutamente simples, não
cabendo a ele qualquer espécie de composição, pois tudo o que é composto possui
outro que o antecede, já que os elementos do composto são a ele anteriores.
Homem é um composto (animal/racional) que é a essência de cada
indivíduo singular (Pedro, João,). Assim, a essência de João, de Pedro, coincide com cada um deles. Porém, João e Pedro não existem, porque
têm uma essência, mas, ao contrário, têm uma essência, porque existem. Essa essência
diz o que a coisa é (de modo determinado), mas não responde por sua existência
(somente responde pela possibilidade dessa existência). Este ente singular
(que é, por exemplo, João) também é um composto (de forma e matéria): pela forma é
homem; pela matéria é João (este indivíduo singular). Sendo um composto, este ente
singular não possui por si mesmo a causa de sua existência. Logo, existe por outro. E
este outro é a Existência simpliciter (Ipsum esse).
A Existência simpliciter, por seu modo, não pode ser um composto; nela,
portanto, coincidem essência e existência (Ipsum esse). O único ser no qual coincidem
a essência e a existência é Deus, E por isso é que Deus, sendo a Existência, é a causa de todos os
demais existentes. Partindo das coisas sensíveis, que são os únicos objetos acessíveis
ao conhecimento humano, Tomás chega à noção da natureza divina, que é
perfeitamente simples, ou seja, puro Ser. Tomás aprofunda a metafísica
aristotélica ao demonstrar a prioridade ontológica da existência simpliciter diante mesmo da
forma.
Tal coisa implica o fato de que é pela existência que a forma se encontra em ato,
assim como é pela forma que a matéria recebe sua atualidade. Como diz Gilson,
em El Tomismo;
"Dizer que o existir se comporta como um ato, ainda com respeito à
forma, ad ipsam etiam formam comparatur esse ut actus – é afirmar
a primazia radical da existência sobre a essência."
Por isso, a luz não é o que é,
e mais ainda, nem sequer é senão pelo ato de iluminar que a produz;
a brancura não é o que é, e não seria em sentido absoluto se não
existisse um ser que exerce o ato de ser branco, daí antecedência total do ser. Assim também a
forma da substância não existe, nem é tal, senão em virtude do ato
existencial que faz desta substância um ser real Assim compreendido, o
ato de existir situa-se no coração, ou, se se quiser, na raiz mesma do
real. É, pois, o princípio dos princípios da realidade. Absolutamente o
primeiro, está ainda antes do Bem por exemplo, já que um ser não pode ser bom enquanto não seja um ser, e não é um ser senão em virtude do ipsum
esse, que permite dizer; isto é.
Tomás observa mais profundamente que Aristóteles; pois em toda coisa finita existe uma dualidade de princípios, a dualidade da essência e da existência, que a essência é em potência sua existência, que não existe necessariamente, e assim pode argumentar não meramente até o aristotélico Motor imóvel, senão até o Ser necessário, Deus mesmo. Tomás pode, ademais, discernir a essência de Deus como existência, não simplesmente como pensamento que se pensa a si mesmo, senão como o ipsum esse subsistens, e desse modo, sem deixar de seguir os passos de Aristóteles, mas, ultrapassa-lo Ao não distinguir claramente a essência da existência no ser finito substância, Aristóteles não pode chegar até a idéia de existência mesma como essência de Deus, pois é daquela procedem todas as existências limitadas.
**Os singulares, únicos objetos acessíveis à percepção humana, são denominados por Tomás de Aquino com a expressão entes (esse). Dai que todo ente é singular: delimitado no tempo e localizado no espaço. Todo ente é contingente: já que é possível pensar sem contradição sua não-existência. Todo ente é mutável: recebe e perde propriedades ao longo do tempo. Todo ente é finito, está sujeito à geração e à corrupção.
Referencias;
Suma Contra os Gentios. I, XXII, 4 (208).
Suma Teológica. I, 5, I, ad 1.
De Veritate, 27, 1 ad 8
capítulo XI do Compêndio de Teologia
Etienne Gilson em sua obra El Tomismo
H. D. Gardeil INICIAÇÃO À FILOSOFIA DE S. TOMÁS DE AQUINO
Ser e Essência, Étienne Gilson; https://b-ok.lat/book/5662912/35cb7bS. Tomás de
Aquino COMENTÁRIO À METAFÍSICA DE ARISTÓTELES; https://www.pdfdrive.com/metaf%C3%ADsica-e60281767.html
Deus, Cornélio Fabro
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